São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2001

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Editora lança em janeiro coletânea de crônicas do dramaturgo santista Plínio Marcos

Repórter de um tempo mau

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
O dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999), que tem 20 crônicas reeditadas pela editora Boitempo a serem lançadas em janeiro


MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

"Escuta aqui, ô rapaz. Não vai se metendo logo de saída a escrever crônica diária. Vai uma vez por semana até pegar a cancha. Pode ir por mim. Eu conheço os macetes", disse Nelson Rodrigues a Plínio Marcos.
Um livro a ser lançado em janeiro pela editora Boitempo retrata um Plínio Marcos pouco estudado: o cronista ou, como o mesmo se intitulava, "o repórter de um tempo mau", o cronista das "quebradas do mundaréu".
O livro é "Plínio Marcos - A Crônica dos que Não Têm Voz". O acaso e a sorte foram aliados dos três autores, Javier Contreras, 25, Vinícius Pinheiro, 24, e Fred Maia, 45, ex-estudantes de jornalismo de Santos, que viviam intrigados por algo sem explicação.
Nascido em Macuco, bairro entre a "zona" e o porto de Santos, o autor, cuja obra sempre se confundiu com a sua vida, escreveu crônicas desde 1968, mas não em jornais da cidade natal, apesar de Santos e seus personagens serem uma constância em seus textos. Apenas antes de morrer emplacou em uma publicação semanal de distribuição gratuita na região, o "Jornal da Orla".
"O livro era um trabalho de conclusão de curso, em que se apresenta uma tese. Pensávamos em fazer um trabalho sobre cronistas, até lermos uma crônica do Plínio no "Jornal da Orla". Santos não dava importância ao Plínio, apesar de ele ser o maior artista de lá", afirma Contreras.
"Não davam valor talvez por ser uma cidade muito elitista. Ele tinha um comportamento enviesado, era desbocado, falava o que pensava, o que queria, tinha muita independência como criador e como indivíduo. Mesmo morando em São Paulo, ele ia semanalmente à cidade, até a sua mãe morrer", afirma Maia.
"Ele, tanto nas crônicas como nos textos, sempre falou da cidade", diz Pinheiro.

Antologia
Os encontros dos estudantes com um Plínio Marcos ainda não combalido pela diabetes começaram em maio de 1999. Ele costumava dar uma atenção especial a quem era de Santos. Na primeira vez recebeu-os descalço e de bermudas.
"No primeiro encontro, estávamos muito nervosos. Ele já tinha a idéia de lançar uma antologia das crônicas, mas estava tudo bagunçado. Ele até disse que ia na nossa apresentação. Afirmou: "Preciso tomar um banho de mar para me curar de vez'", lembra Pinheiro.
"Foi surpreendente como ele nos tratou bem. Os bate-papos resultaram na estrutura do livro. Ele que indicava com quem devíamos falar, onde devíamos ir", disse Contreras.
"Eram encontros informais. Marcamos de ir com ele a Santos, fazer um roteiro afetivo com ele. Mas ele foi internado no fim de semana combinado e não saiu mais do hospital. O roteiro acabou sendo o roteiro de suas cinzas", conta Maia.
Aos estudantes, Plínio surpreendentemente entregou cinco caixas de seu arquivo pessoal, com originais e manuscritos. Curiosamente, Plínio não pegou os telefones dos estudantes, que se viram na missão de zelar pelo material de um dos mais importantes autores brasileiros.
"Eu estava com as caixas em casa quando ele morreu, e muitas pessoas de Santos sabiam. Liguei paranóico para a minha filha, mandando-a trancar a casa e não atender a porta. Depois organizamos o material", diz Maia.
"Plínio Marcos escrevia à mão, numa letra primária, mas dá pra entender. Quase não tem erros", diz Pinheiro.
"Ele escrevia a lauda inteira num impulso só, sem borrões. Ele tinha uma fluência grande. Parece que já sabia o que escrever. O cronista é o cara que escreve sobre ele próprio, diferentemente do jornalista", conta Maia.
O livro não é exatamente o trabalho de conclusão de curso. Após se graduarem, os estudantes continuaram a pesquisar, com Plínio já morto.
O livro traz 20 crônicas e, segundo seus autores, ainda não é definitivo.
"Nosso interesse não era fazer uma biografia. Tem muita coisa ainda a ser explorada. É um apanhado, sinaliza para que outras pessoas continuem pesquisando", completa Maia.

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