São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2001

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LITERATURA

Noemi Jaffe também faz da sua uma "obra aberta"

RINALDO GAMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,/ Mas um dia afinal eu toparei comigo."
É muito provável que ao escrever esses versos para o poema "Eu Sou Trezentos", de 1929 e incluído no livro "Remate de Males" (1930), Mário de Andrade realmente não soubesse, porém já havia topado consigo mesmo.
O "encontro" ocorrera entre 16 e 23 de dezembro de 1926. Naqueles dias, estirado numa rede na "chacra" de seu primo Pio Lourenço Correa, ele dera à luz uma primeira versão de "Macunaíma". "Polida e repolida", a história do "herói sem nenhum caráter" sairia da gráfica em 1928 para se firmar não apenas na condição de obra-prima da carreira de Mário, mas, acima de tudo, como a melhor síntese de seu autor.
Dentro dos propósitos (amplos) e dimensões (breves) dos volumes da série "Folha Explica", a difícil tarefa de sintetizar a "mais completa tradução" de Mário de Andrade (1893-1945) foi entregue a Noemi Jaffe, mestre em literatura brasileira pela USP e professora de língua e literatura do Colégio Equipe, de São Paulo. O resultado está no 36º livro da coleção, que acaba de ser lançado.
Se Mário era "trezentos, trezentos-e-cincoenta" -poeta, contista, romancista, crítico, ensaísta, folclorista, professor de música etc.-, "Macunaíma" foi sua obra mais plural. "Agregado de fontes díspares e distantes no tempo e no espaço", como observa Jaffe, a rapsódia do escritor, protagonizada por um herói ambíguo e pela própria narrativa, funde cultura popular e erudita, o oral e o escrito, o real e o maravilhoso.
Convencida de que, "com tantas grandezas envolvidas, tanto da obra como do autor, seria mesmo difícil compreendê-los inteiramente num espaço pequeno como o deste livro", ela se empenha em levar o leitor à fonte, à "fantástica viagem macunaímica".
Seu esforço está em estimular a leitura de "Macunaíma" -ao contrário de muitos trabalhos de introdução às grandes obras, em especial aqueles voltados para vestibulandos, que não escondem a proposta de dispensar a leitura dos textos que apresentam.
Claro que Jaffe é didática e "explica" "Macunaíma". Após rápida introdução, resume a trama do livro; depois, apresenta as principais linhas de interpretação crítica -destacando os trabalhos de M. Cavalcanti Proença, Telê Porto Ancona Lopez, Haroldo de Campos, Gilda de Mello e Souza, Alfredo Bosi e José Miguel Wisnik- e por fim estabelece as relações que a obra manteve e mantém com a literatura e outros campos da arte nacional. "Macunaimicamente", contudo, ela faz também da sua uma "obra aberta" -que só se realiza plenamente em seu próprio objeto de estudo.
Um exame na relação das publicações da série "Folha Explica" revela que o livro é a primeira obra literária a merecer um volume específico. Há 25 anos, ela ainda reclamava maior atenção das escolas; nos últimos anos, contudo, como lembra Arthur Nestrovski, editor da coleção da Publifolha, costuma ser "a única unanimidade" nas listas de leituras obrigatórias dos principais vestibulares.
Se, para além disso, "Macunaíma" é, como foi dito, o texto que sintetiza os "trezentos, trezentos-e-cincoenta" Mários de Andrade, como deixar de topar com ele?


Rinaldo Gama é mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP e autor de "O Guardador de Signos: Caeiro em Pessoa"


Folha Explica Macunaíma
   
Autor: Noemi Jaffe
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (80 págs.)


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