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LITERATURA
Noemi Jaffe também faz da sua uma "obra aberta"
RINALDO GAMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,/ Mas
um dia afinal eu toparei comigo."
É muito provável que ao escrever esses versos para o poema "Eu
Sou Trezentos", de 1929 e incluído
no livro "Remate de Males"
(1930), Mário de Andrade realmente não soubesse, porém já havia topado consigo mesmo.
O "encontro" ocorrera entre 16
e 23 de dezembro de 1926. Naqueles dias, estirado numa rede na
"chacra" de seu primo Pio Lourenço Correa, ele dera à luz uma
primeira versão de "Macunaíma". "Polida e repolida", a história do "herói sem nenhum caráter" sairia da gráfica em 1928 para
se firmar não apenas na condição
de obra-prima da carreira de Mário, mas, acima de tudo, como a
melhor síntese de seu autor.
Dentro dos propósitos (amplos) e dimensões (breves) dos
volumes da série "Folha Explica",
a difícil tarefa de sintetizar a "mais
completa tradução" de Mário de
Andrade (1893-1945) foi entregue
a Noemi Jaffe, mestre em literatura brasileira pela USP e professora
de língua e literatura do Colégio
Equipe, de São Paulo. O resultado
está no 36º livro da coleção, que
acaba de ser lançado.
Se Mário era "trezentos, trezentos-e-cincoenta" -poeta, contista, romancista, crítico, ensaísta,
folclorista, professor de música
etc.-, "Macunaíma" foi sua obra
mais plural. "Agregado de fontes
díspares e distantes no tempo e no
espaço", como observa Jaffe, a
rapsódia do escritor, protagonizada por um herói ambíguo e pela
própria narrativa, funde cultura
popular e erudita, o oral e o escrito, o real e o maravilhoso.
Convencida de que, "com tantas grandezas envolvidas, tanto da
obra como do autor, seria mesmo
difícil compreendê-los inteiramente num espaço pequeno como o deste livro", ela se empenha
em levar o leitor à fonte, à "fantástica viagem macunaímica".
Seu esforço está em estimular a
leitura de "Macunaíma" -ao
contrário de muitos trabalhos de
introdução às grandes obras, em
especial aqueles voltados para
vestibulandos, que não escondem
a proposta de dispensar a leitura
dos textos que apresentam.
Claro que Jaffe é didática e "explica" "Macunaíma". Após rápida
introdução, resume a trama do livro; depois, apresenta as principais linhas de interpretação crítica -destacando os trabalhos de
M. Cavalcanti Proença, Telê Porto
Ancona Lopez, Haroldo de Campos, Gilda de Mello e Souza, Alfredo Bosi e José Miguel Wisnik- e
por fim estabelece as relações que
a obra manteve e mantém com a
literatura e outros campos da arte
nacional. "Macunaimicamente",
contudo, ela faz também da sua
uma "obra aberta" -que só se
realiza plenamente em seu próprio objeto de estudo.
Um exame na relação das publicações da série "Folha Explica" revela que o livro é a primeira obra
literária a merecer um volume específico. Há 25 anos, ela ainda reclamava maior atenção das escolas; nos últimos anos, contudo,
como lembra Arthur Nestrovski,
editor da coleção da Publifolha,
costuma ser "a única unanimidade" nas listas de leituras obrigatórias dos principais vestibulares.
Se, para além disso, "Macunaíma" é, como foi dito, o texto que
sintetiza os "trezentos, trezentos-e-cincoenta" Mários de Andrade,
como deixar de topar com ele?
Rinaldo Gama é mestre em
comunicação e semiótica pela PUC-SP e
autor de "O Guardador de Signos: Caeiro
em Pessoa"
Folha Explica Macunaíma
Autor: Noemi Jaffe
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (80 págs.)
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