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MÚSICA/LIVRO
Obra conta a vida que leva Zeca Pagodinho
XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA
Em uma das gravações para o
especial de fim de ano de Roberto Carlos, no Rio, evento em
que fui metido recentemente como repórter de uma revista de celebridades, rolou uma ótima história envolvendo o "rei" e Zeca
Pagodinho. Supersticioso e cheio
de nove-horas, RC encanou com
"Deixa a Vida me Levar", escolhida pela produção da Globo para
ser cantada pela dupla.
"Bicho, a vida não me leva", disse o "rei", ao recusar fazer o duo.
Zeca segurou a onda na boa. Até
riu da doidice mística. Foi oferecida uma segunda opção do repertório de sucessos da majestade do
pagode. Aquela de refrão: "Descobri que te amo demais...".
E o "rei", depois de ouvir estrelas, disse "não". Alegou que não
poderia cantar uma letra na qual
se descobre tardiamente o amor
de verdade. Seria incoerente com
o seu momento. Acabara de lançar o disco "Pra Sempre", com a
mesma flor da obsessão amorosa
por Maria Rita, sua mulher. Pagodinho só tirou uma onda com os
técnicos ali presentes e pediu mais
uma cerva. Até que ocorreu o
acerto: cantariam juntos "Amélia", aquela mulher das antigas.
É um cidadão preocupado apenas com a família, os bons amigos
e o grau da cerveja gelada, como
na pendenga com o "rei", que tem
a história contada por Luiz Fernando Vianna no livro "Zeca Pagodinho - A Vida que se Deixa Levar", da coleção "Perfis do Rio".
Jessé Gomes da Silva Filho, 44, é
o nome de batismo, apelido tirado de uma ala de pagodeiros do
bloco Bohêmios do Irajá, geografia carioca que deu ao país esse
brasileiro tranquilo. Boa apuração de repórter e entrevistas com
personagens que rodeiam e fizeram parte da vida levada do sambista deram numa biografia sem
afetação, bem ao modo de viver
do personagem. Viver simples
não significa, como está no livro,
viver como dita o folclorismo em
torno de almas românticas cariocas -sempre imaginadas, talvez
a partir dos passos do escritor Lima Barreto, curtidas no álcool e
na loucura.
O autor mostra o Zeca Pagodinho dos arrabaldes do Xerém e o
artista do mercado, cantando para os emergentes nessas casas de
shows com nome de telefone celular. Abarca dos primeiros passos aos bastidores das gravações
do "Acústico MTV" com o cantor
e compositor, em setembro deste
ano, quando ele consolidava,
também na classe média jovem, o
sucesso que veio do fundo de
quintal.
Aos 33 anos, Vianna é jornalista
com vasta folha corrida e escreveu, com João Máximo -este,
um bamba da geografia afetiva do
Rio-, o roteiro do musical "Na
Bagunça do Teu Coração", baseado na obra de Chico Buarque.
Além de narrar a trajetória de
Pagodinho, o livro se aprofunda
em personagens fundamentais na
trajetória dele e, por tabela, na
música popular brasileira, como
Beto sem Braço, dono de vários
sucessos da turma do "pagode
autêntico", rótulo preconceituoso inventado pela imprensa para
distingui-los dos pagodeiros de
cabelos oxigenados.
Mas Zeca Pagodinho nunca se
preocupou com rótulos dessa natureza. Tem chão e cerveja gelada
para todo mundo. "Vida leva eu."
Ou melhor, "tá ruim, mas tá
bom", como canta, dando um nó
na turma que bebe na fonte de
um ceticismo tão sem gosto como
cerveja sem álcool.
Zeca Pagodinho - A Vida que se Deixa Levar
Autor: Luiz Fernando Vianna
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 23, em média (126 págs.)
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