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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

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MÚSICA/LIVRO

Obra conta a vida que leva Zeca Pagodinho

XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA

Em uma das gravações para o especial de fim de ano de Roberto Carlos, no Rio, evento em que fui metido recentemente como repórter de uma revista de celebridades, rolou uma ótima história envolvendo o "rei" e Zeca Pagodinho. Supersticioso e cheio de nove-horas, RC encanou com "Deixa a Vida me Levar", escolhida pela produção da Globo para ser cantada pela dupla.
"Bicho, a vida não me leva", disse o "rei", ao recusar fazer o duo. Zeca segurou a onda na boa. Até riu da doidice mística. Foi oferecida uma segunda opção do repertório de sucessos da majestade do pagode. Aquela de refrão: "Descobri que te amo demais...".
E o "rei", depois de ouvir estrelas, disse "não". Alegou que não poderia cantar uma letra na qual se descobre tardiamente o amor de verdade. Seria incoerente com o seu momento. Acabara de lançar o disco "Pra Sempre", com a mesma flor da obsessão amorosa por Maria Rita, sua mulher. Pagodinho só tirou uma onda com os técnicos ali presentes e pediu mais uma cerva. Até que ocorreu o acerto: cantariam juntos "Amélia", aquela mulher das antigas.
É um cidadão preocupado apenas com a família, os bons amigos e o grau da cerveja gelada, como na pendenga com o "rei", que tem a história contada por Luiz Fernando Vianna no livro "Zeca Pagodinho - A Vida que se Deixa Levar", da coleção "Perfis do Rio".
Jessé Gomes da Silva Filho, 44, é o nome de batismo, apelido tirado de uma ala de pagodeiros do bloco Bohêmios do Irajá, geografia carioca que deu ao país esse brasileiro tranquilo. Boa apuração de repórter e entrevistas com personagens que rodeiam e fizeram parte da vida levada do sambista deram numa biografia sem afetação, bem ao modo de viver do personagem. Viver simples não significa, como está no livro, viver como dita o folclorismo em torno de almas românticas cariocas -sempre imaginadas, talvez a partir dos passos do escritor Lima Barreto, curtidas no álcool e na loucura.
O autor mostra o Zeca Pagodinho dos arrabaldes do Xerém e o artista do mercado, cantando para os emergentes nessas casas de shows com nome de telefone celular. Abarca dos primeiros passos aos bastidores das gravações do "Acústico MTV" com o cantor e compositor, em setembro deste ano, quando ele consolidava, também na classe média jovem, o sucesso que veio do fundo de quintal.
Aos 33 anos, Vianna é jornalista com vasta folha corrida e escreveu, com João Máximo -este, um bamba da geografia afetiva do Rio-, o roteiro do musical "Na Bagunça do Teu Coração", baseado na obra de Chico Buarque.
Além de narrar a trajetória de Pagodinho, o livro se aprofunda em personagens fundamentais na trajetória dele e, por tabela, na música popular brasileira, como Beto sem Braço, dono de vários sucessos da turma do "pagode autêntico", rótulo preconceituoso inventado pela imprensa para distingui-los dos pagodeiros de cabelos oxigenados.
Mas Zeca Pagodinho nunca se preocupou com rótulos dessa natureza. Tem chão e cerveja gelada para todo mundo. "Vida leva eu." Ou melhor, "tá ruim, mas tá bom", como canta, dando um nó na turma que bebe na fonte de um ceticismo tão sem gosto como cerveja sem álcool.


Zeca Pagodinho - A Vida que se Deixa Levar
   
Autor: Luiz Fernando Vianna
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 23, em média (126 págs.)



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