São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

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MÚSICA

Cantora e compositora volta a se apresentar em São Paulo depois de período de estudos e parcerias em Nova York

Beatriz Azevedo repete saga do migrante brasileiro

DA REPORTAGEM LOCAL

Você já ouviu essa história várias vezes. No Brasil, a artista brasileira ficou penando atrás de auto-expressão, vagando meio errante entre teatro, literatura, música, poesia etc. Feito a Iracema de Chico Buarque, resolveu migrar para o dito Primeiro Mundo e lá se reencontrou consigo própria.
A paulistana Beatriz Azevedo é quem segue hoje esse argumento de conto de fadas, fazendo agora o périplo de volta e vindo se reapresentar ao público local num show único, hoje, no Sesc Pinheiros.
Em São Paulo, na fase anterior, ela estudou artes cênicas na Unicamp, encenou Bernard-Marie Koltès, trabalhou com Zé Celso Martinez Corrêa, gravou e lançou dois CDs independentes etc. Ficou guardada no circuito dito alternativo paulistano, ao qual continua a pertencer até hoje.
Mas já não pertence só a ele. Concluído o primeiro ciclo, raspou-se para os EUA, segundo ela relata: "Ganhei a Bolsa Virtuose e fui para Nova York. Estudei música, harmonia, canto, violão, ritmo. Conheci músicos do mundo inteiro. Tive tempo para me aperfeiçoar sem o compromisso do resultado imediato. O compromisso era comigo mesma".
O sonho de Cinderela não é daqueles de ter virado explosão planetária. Lá ela também foi alternativa ou, nos dizeres gringos, "underground" -o que adquire dimensões maiores sob os óculos de Nova York. Logo no começo, recebeu convite para cantar no Joes Pub, de que ela própria não tinha qualquer referência prévia. Diz que ficou ressabiada e hesitou antes de entender que se tratava do "espaço de música do famoso Public Theater".
"Estava nervosa no dia do show, quando entro para cantar, quem vejo na primeira fila, de cara? David Byrne. Nossa, foi foda, meu inglês estava tipo "gudi naite éveribódi", e toda essa pressão logo de cara. Mas sobrevivi e estou aqui. E foi lá que, além de Byrne, conheci Robert Garza."
Ela se refere a um dos integrantes da dupla de música eletrônica Thievery Corporation, que transita pelo ambiente da bossa nova e gravou parceria e participação de Beatriz em seu próximo álbum.
A artista, percebe-se, vai se integrando àquela cena meio underground, meio eletrônica, meio "soft Brazilian" que seduz a América do Norte e tem Bebel Gilberto como expressão mais conhecida.
Eis Beatriz, então, defronte do tema inevitável: por que existem esses brasileiros que são menos aceitos no Brasil que no exterior? Ela não demonstra saber a resposta -talvez ninguém saiba-, mas especula sobre o assunto:
"Do ponto de vista artístico, acho ótimo ter carreira internacional, é um desafio a mais. Mas do ponto de vista sociopolítico acho uma pena o Brasil continuar nessa de que a melhor saída para o artista brasileiro é o aeroporto".
Exemplifica citando Vinicius Cantuária e Cyro Baptista, "grandes músicos com quem trabalhei lá, que são respeitadíssimos, premiados, homenageados como merecem, que arrasam lá fora, mas aqui ninguém conhece".
À conclusão: "É lamentável. Mas, queira ou não, a gente é artista brasileiro, com toda a honra. O que sei é que eu quero poder existir no meu próprio país. Eu quero criar aqui, trabalhar aqui, ter condições para expandir minha música aqui dentro". Beatriz já sabe que não será fácil, o mistério da rejeição em casa própria permanece. Se quiser conhecê-la, hoje a chance mora no Sesc Pinheiros -e até é de graça.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


BEATRIZ AZEVEDO. Onde: Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195, SP, tel. 0/ xx/11/3095-9400). Quando: hoje, às 18h30. Quanto: entrada franca.


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