São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

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DVDs reúnem cinema experimental

Acervo histórico do box é inédito no Brasil e traz filmes com narrativas não-lineares, temáticas sexuais e imagens oníricas

Pacote tem curtas de Derek Jarman, produções de Andy Warhol com alguns de seus ícones e técnica surrealista com William Burroughs


Terry O'Neill/Getty Images
Derek Jarman (1942-1994) em sua casa em Dungeness, Kent (Inglaterra); diretor aproveitou-se das possibilidades do Super 8


CHRISTIAN PETERMANN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma outra faceta do cinema passa a ser disponível ao espectador. Chega nesta semana às principais lojas o box de DVDs "Cinema Underground Volume 1", da distribuidora Magnus Opus. É o "cinema invisível", como considera o professor e escritor Luiz Nazario, ou "o momento em que se quebraram as convenções de bitola e linguagem e se exercitou a liberdade", pontua o cineasta Carlos Reichenbach.
O box apresenta obras do artista Andy Warhol, do cineasta Derek Jarman e da parceria entre o escritor William Burroughs e o diretor Antony Balch. Boa parte foi realizada nos anos 1960 e praticamente todas denotam a natureza homossexual de seus criadores.
O acervo histórico anunciado não só é inédito no Brasil como também de acesso raro no mundo inteiro. O interesse costuma ser restrito para trabalhos que desafiam o espectador comum com narrativas não-lineares, temáticas sexuais intensas e imagens de natureza onírica e/ou gráfica.
Indagado se este cinema underground pode suscitar curiosidade nos dias de hoje, Nazario compara: "Talvez o espectador comum de hoje assimile melhor o underground que o de sua própria época".
O professor enumera alguns dos artistas que denotam em sua filmografia traços do underground, como David Cronenberg, David Lynch e Lars von Trier, para chegar à teoria de que boa parte do que é disponibilizado no YouTube tem herança, mesmo que involuntária, do cinema underground.
O DVD duplo de Derek Jarman (1942-1994), "Antologia em Super 8", traz uma série de curtas e médias-metragens captados nessa bitola, parte deles anteriores à sua estréia em longa com "Sebastiane" (1976).
Jarman aproveitou-se das possibilidades caseiras e de improviso do Super 8 para definir seu corpo estético. Como explica Reichenbach, a experimentação nessa bitola pode "abolir equipes de filmagem e criar obras que pareçam cadernos de anotação". A obra de Jarman, como "Journey to Avebury" e "The Art of Mirrors", ergue-se quase sempre sobre impressões pessoais. Reichenbach diz ainda que o underground ultrapassou limites e se fundiu com as artes. A pintura está presente em toda obra do cineasta.
O escritor William Burroughs (1914-1917), uma lenda beat, praticou no cinema, em parceria com Balch (1938-1980), uma extensão da técnica "cut-up", iniciada por Tristan Tzara num encontro surrealista, nos anos 1920, e levada adiante em 1959 pelo pintor e escritor Brion Gysin.
Tzara criou um poema a partir de palavras tiradas do chapéu, e Gysin elaborou um novo texto a partir de artigos de jornal recortados. Burroughs e Balch levaram a construção aleatória para curtas e médias-metragens como "William Buys a Parrot" (1963) e "Ghost at nš. 9 (Paris)" (1963-1972).

Pop art
Os dois DVDs duplos de Andy Warhol (1928-1987) oferecem pérolas do estilo teatral de seu abusado criador, um dos principais nomes, senão o principal, da pop art. Sintetiza Nazario: "Na sua obra, confluem diversos mundos aparentemente conflitantes: as vanguardas européias, a cultura popular norte-americana e a subcultura gay. E, graças à fortuna que ele acumulou com a venda de suas obras plásticas, pôde levar aos seus limites, nas suas obras cinematográficas, todas as transgressões estéticas e morais que se possa imaginar" O peixe fora d'água é "The Velvet Underground & Nico" (1967), que mostra um longo transe instrumental da banda.
Os três outros trabalhos são marcados pelo sexo. "Vinyl" (1965) marca a estréia de sua estrela, Edie Sedgwick; "My Hustler" (1965) coloca em pauta a prostituição masculina; e "I a Man" (1967) é um trabalho heterossexual do diretor, em que Tom Baker se relaciona com oito mulheres, entre elas Nico e Ultra Violet, outras duas estrelas da Factory de Warhol.
Nazario prefere Warhol a Jarman, pelo artificialismo deste. Reichenbach é apaixonado pelo cinema alternativo como um todo. De qualquer forma, a importância histórica e a diversidade estética de todo o pacote justificam a curiosidade -e não só de cinéfilos e estudiosos de cinema.

CINEMA UNDERGROUND VOLUME 1
Distribuidora:
Magnus Opus
Quanto: R$ 180 (box com sete discos)


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