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Crítica/teatro/"O Homem, a Besta e a Virtude"
Peça de transição de Pirandello revitaliza o teatro comercial
Elenco afinado prova que teatro para grande público não é sinônimo de caça-níqueis
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"O Homem, a Besta e
a Virtude" é peça
de transição de Pirandello. Encenada em Milão
em 1919 junto com "O Enxerto"
(melodrama mais próximo do
modelo tradicional), é o primeiro produto de um estilo que
o autor definia como "humorismo" -uma discussão filosófica
e moral livre da grandiloqüência do realismo burguês, leve e
sedutora como o vaudeville.
Quase paródia de chavões,
beirando o nonsense que marcaria o surrealismo e o teatro
do absurdo, o enredo gira em
torno da senhora Pernella,
apresentada como um modelo
de virtude pelo protagonista
Paolino, professor de seu filho
Nonô, mas que é casada com
um rude marinheiro polígamo
-a besta, que só a visita uma
vez por ano e nem assim cumpre os deveres conjugais.
A fórmula maniqueísta que
pressupõe o título é desautorizada quando sabemos que Pernella está grávida de Paolino,
que, no entanto, não perde o
tom moralista. Na chegada do
capitão, ele tentará fazer com
que a "besta" copule com a "virtude" para justificar a gravidez
-usando para isso a estratégia
de um bolo de chocolate afrodisíaco, na melhor tradição da
"Mandrágora", de Maquiavel.
Altamente erótico nas entrelinhas, sem perder o distanciamento da fábula, o autor mistura as máscaras sociais, questionando com bom humor o conceito de virtude: no final, quem
é a besta, quem é o homem?
Esta segunda encenação brasileira (a primeira, de 1962, dirigida por Gianni Ratto, reunia
Fernanda Montenegro e Ítalo
Rossi) é uma bem-sucedida associação de velhos parceiros. O
diretor Marcelo Lazzaratto
atendeu ao convite de Débora
Duboc, sua ex-parceira no grupo Razões Inversas, e convocou
seu primeiro discípulo, Gabriel
Miziara, que no papel central
leva a peça nas costas com desenvoltura. Élcio Nogueira Seixas, que se diverte como o marinheiro, e os ágeis Thiago
Adorno e Luis Alex Tasso completam o elenco afinado, que se
desdobra em personagens.
É um prazer em dobro ver
Duboc passar da doce Pernella
à escrachada criada, como duas
faces da mesma moeda, assim
como ver as diferentes imposturas de Paolino, que Miziara
torna irresistível. A semelhança física entre Adorno e o Alberto Sordi, e a pesquisa com o
cinema cômico italiano dos
anos 50, associados aos belos figurino e cenário de Samuel
Abrantes e à trilha de Gustavo
Kurlat e Ruben Feffer, tornam
o espetáculo imperdível.
Assim como foram "O Avarento" com Paulo Autran e "A
Mandrágora" do grupo Tapa,
"O Homem, a Besta e a Virtude" cumpre a função de provar
que o teatro "comercial", destinado ao grande público, não deve ser sinônimo de caça-níquel,
malfeito e burro. Uma montagem para levar a família e despertar a paixão pelo teatro.
O HOMEM, A BESTA E A VIRTUDE
Quando: hoje, às 21h; amanhã, às 19h
Onde: Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa,
153, tel. 0/xx/11/3288-0136)
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo
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