São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Crítica/teatro/"O Homem, a Besta e a Virtude"

Peça de transição de Pirandello revitaliza o teatro comercial

Elenco afinado prova que teatro para grande público não é sinônimo de caça-níqueis

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"O Homem, a Besta e a Virtude" é peça de transição de Pirandello. Encenada em Milão em 1919 junto com "O Enxerto" (melodrama mais próximo do modelo tradicional), é o primeiro produto de um estilo que o autor definia como "humorismo" -uma discussão filosófica e moral livre da grandiloqüência do realismo burguês, leve e sedutora como o vaudeville.
Quase paródia de chavões, beirando o nonsense que marcaria o surrealismo e o teatro do absurdo, o enredo gira em torno da senhora Pernella, apresentada como um modelo de virtude pelo protagonista Paolino, professor de seu filho Nonô, mas que é casada com um rude marinheiro polígamo -a besta, que só a visita uma vez por ano e nem assim cumpre os deveres conjugais.
A fórmula maniqueísta que pressupõe o título é desautorizada quando sabemos que Pernella está grávida de Paolino, que, no entanto, não perde o tom moralista. Na chegada do capitão, ele tentará fazer com que a "besta" copule com a "virtude" para justificar a gravidez -usando para isso a estratégia de um bolo de chocolate afrodisíaco, na melhor tradição da "Mandrágora", de Maquiavel.
Altamente erótico nas entrelinhas, sem perder o distanciamento da fábula, o autor mistura as máscaras sociais, questionando com bom humor o conceito de virtude: no final, quem é a besta, quem é o homem?
Esta segunda encenação brasileira (a primeira, de 1962, dirigida por Gianni Ratto, reunia Fernanda Montenegro e Ítalo Rossi) é uma bem-sucedida associação de velhos parceiros. O diretor Marcelo Lazzaratto atendeu ao convite de Débora Duboc, sua ex-parceira no grupo Razões Inversas, e convocou seu primeiro discípulo, Gabriel Miziara, que no papel central leva a peça nas costas com desenvoltura. Élcio Nogueira Seixas, que se diverte como o marinheiro, e os ágeis Thiago Adorno e Luis Alex Tasso completam o elenco afinado, que se desdobra em personagens.
É um prazer em dobro ver Duboc passar da doce Pernella à escrachada criada, como duas faces da mesma moeda, assim como ver as diferentes imposturas de Paolino, que Miziara torna irresistível. A semelhança física entre Adorno e o Alberto Sordi, e a pesquisa com o cinema cômico italiano dos anos 50, associados aos belos figurino e cenário de Samuel Abrantes e à trilha de Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, tornam o espetáculo imperdível.
Assim como foram "O Avarento" com Paulo Autran e "A Mandrágora" do grupo Tapa, "O Homem, a Besta e a Virtude" cumpre a função de provar que o teatro "comercial", destinado ao grande público, não deve ser sinônimo de caça-níquel, malfeito e burro. Uma montagem para levar a família e despertar a paixão pelo teatro.


O HOMEM, A BESTA E A VIRTUDE
Quando:
hoje, às 21h; amanhã, às 19h
Onde: Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, tel. 0/xx/11/3288-0136)
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo


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