São Paulo, terça, 15 de dezembro de 1998

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TELEVISÃO
Telecine exibe hoje "O Enfermeiro', que inicia série de adaptações de textos de autores brasileiros para as telas
Autran brilha em conto cruel de Machado

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O Telecine exibe hoje, às 22h30, o média-metragem "O Enfermeiro", baseado no conto homônimo de Machado de Assis.
Dirigido por Mauro Farias, o filme é o primeiro de uma série de adaptações de contos brasileiros que o canal por assinatura pretende colocar no ar.
O próximo a ser filmado deverá ser "Dona Custódia", de Fernando Sabino. Depois virão contos de Rachel de Queiroz, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade e Eric Nepomuceno, entre outros. Todos serão dirigidos por Farias.
Tomara que todos sejam tão bons quanto "O Enfermeiro". Tendo como matéria-prima uma diabólica parábola machadiana sobre o conflito entre a consciência ética e o interesse material, Farias foi humildemente fiel ao texto original e fez um filme inteligente, sutil e divertido.
O conto foi publicado originalmente em 1884, na "Gazeta de Notícias", e recolhido no ano seguinte no livro "Várias Histórias". Um pouco na linha do famoso "A Causa Secreta", explora os aspectos mais sombrios da alma humana, mas aqui com um humor cruel que beira o sarcasmo.
A história é narrada retrospectivamente pelo protagonista, Procópio Valongo (Matheus Nachtergaele). Depois de trabalhar como secretário de um padre, ele aceita a incumbência de servir de enfermeiro a um velho doente, o coronel Felisberto (Paulo Autran), numa cidadezinha do interior.
Rabujento, mimado, iracundo, o velho já trocou de enfermeiro inúmeras vezes. Nenhum deles suportou suas ofensas e manias.
Movido em parte pelas virtudes recomendadas pelo vigário local ("mansidão e caridade") e em parte pelo salário, Procópio resiste a xingamentos e bengaladas, até que um dia sua raiva explode e... não cabe antecipar o que acontece.
Basta dizer que, a partir daí, a moral da parábola se aprofunda. O que era uma briga de gato e rato entre o sadismo de um personagem e a paciência de outro transforma-se numa luta interna ainda mais violenta, a da justificação moral de um ato criminoso.
Não será exagero dizer que todo o cinismo da elite proprietária brasileira é radiografado na trajetória de Procópio.
Mérito de Machado, claro, mas mérito também do diretor Mauro Farias, que condensou os conflitos morais do conto num duelo entre dois atores excepcionais.
Se não tivesse outras qualidades, "O Enfermeiro" já valeria só pela oportunidade de ver o grande Paulo Autran em estado de graça.
² ²


Filme: O Enfermeiro Direção: Mauro Farias Com: Paulo Autran, Matheus Nachtergaele Quando: hoje, às 22h30, no Telecine




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