São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 2001

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MÚSICA/CRÍTICA

Samba-soul recobra o requinte

DA REPORTAGEM LOCAL

O tempo começa a ficar quente. O disco "Solo" de Leandro Lehart parece destinado a desnudar várias das questões que dominaram a indústria fonográfica brasileira dos anos 90, já definitivamente enterrados.
É hora de parar para pensar quando o líder/ideólogo de uma banda que co-patrocinou parte forte da música radiofônica indulgente de um país por uma década diz "chega" e exibe, num trabalho "menos comercial", características de sofisticação e elaboração musical antes sempre despistadas.
Que jogo macabro é esse que tem alimentado reciprocamente indigências de artistas e de gravadoras? Leandro tinha esse trunfo na manga ou o foi construindo à revelia das regras? Ou com auxílio delas? Seus colegas são como ele, ou ele é exceção? Para onde vai a coisa agora, se seu pagode de origem é gênero em descendência? O futuro está guardado no soul com quadris a que ele agora se dedica?
São questões complexas demais, e Leandro Lehart é o próprio olho desse furacão. Expressa-se, conflitado, entre dois pólos de pressão, admitindo-se apreensivo em relação ao futuro.
Não tem respostas por enquanto, ou tem. Estão todas, em forma de música -que afinal deveria ser sempre o tema-, em seu surpreendente "Solo".
Inclinado à soul music e ao rhythm'n'blue (mas não daquela variável nojentinha que vigorou nos Estados Unidos nos mesmos anos 90), é outro disco que parece retomar o nexo quebrado do pop negro brasileiro que não fez do samba seu alto-falante.
Não à toa, o co-produtor é Max de Castro, um dos primeiros a tentar refazer o nó rompido desde o final dos 70. Da cooperativa, surge um disco riquíssimo, que esquece os sopros e tecladeiras excessivos de até há pouco por uma emocionante e intenso uso de pianos, violões e cordas à Earth, Wind and Fire ou Barry White, mas também à Jorge Ben em "Negro É Lindo" (71).
Samba e black music, antes quase inimigos mortais, agora se reúnem numa pessoa só, e Leandro vai reinventando um samba-soul quando reinterpreta sambas cantados por Alcione ("Pode Esperar") ou Marquinhos Satã ("A Que Mais Deixa Saudade"). Vai melhor ainda quando rodeia o funk carioca da Banda Black Rio, em "Lero-Lero", "O Beco" ou "Ela Disse Assim" (de Max).
As climáticas "Olhos", "Desarrumou" e "Valsa" fazem-se exemplares da riqueza de um artista que se encontrava até aqui sufocado. São complexas, cheias de camadas, seções e interrupções, brincam de fazer refrão sem qualquer obsessão radiofônica.
Leandro continua desconexo nas letras, ainda o maior desafio não explorado pelas novas gerações musicais. De voz mansa e clara, atrapalha-se entre versos como "revelou a essência beija-flor/ ao declamar a rosa um Vinicius/ pétalas livres soltas a voar/ cactos pacto sobre o vento", na deliciosa (mas não pela letra) "Lero-Lero".
O samba-soul readquire requintes há muito perdidos. Artífices do passado, como os hoje desaparecidos Gilberto Gil e Jorge Ben da fase "Ogum Xangô" (75), cantariam para Lehart: "Essa é pra tocar no rádio". É hora de os abutres da indústria se pronunciarem, o paradoxo está posto à mesa. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Solo
   
Artista: Leandro Lehart
Lançamento: Virgin
Quanto: R$ 20, em média




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