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MÚSICA
Coleção recupera a melhor fase do mais célebre compositor e arranjador argentino, com 13 discos remasterizados
Obra de Piazzolla é reeditada na Argentina
FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES
O crítico musical Diego Fischerman chegou à direção da Sony-BMG na Argentina com um projeto: reeditar toda a obra de Astor
Piazzolla (1921-1992) em poder da
gravadora -a que abarca a melhor fase do mais célebre compositor e arranjador argentino, responsável por uma revolução no
tango.
Tratava-se de recuperar 13 volumes gravados originalmente para
os selos RCA Victor e CBS Columbia num período de 1961 a
1982, passando por toda a década
de 60, considerada a produção
mais inventiva do músico.
O conjunto começa com o raro
primeiro registro em disco do
clássico "Adiós Nonino", em 1961,
e termina com um show gravado
por Piazzolla num teatro de Buenos Aires, em plena Guerra das
Malvinas, em 1982. No espetáculo, Roberto Goyoneche, então
companheiro de palco do músico,
põe Margaret Thatcher (primeira-ministra britânica de 1979 a
1990) na letra do tango "Cambalache", aquele que chama o século
20 de "problemático y febril", em
que "cualquiera es un señor, cualquiera es un ladrón".
Refém de coletâneas
Soa surpreendente, mas até dois
meses atrás, quando a idéia de
Fischerman chegou às lojas, era
impossível montar essa trajetória
de Piazzolla a partir do que estava
disponível no mercado. Salvo raros álbus em catálogo, a obra era
refém de coletâneas "O melhor
de...", toda sorte de erros de data e
discos distintos com igual título
(de preferência "Adiós Nonino").
Agora, a chamada "edição crítica" anota nos volumes, remasterizados diretamente das fitas originais, as canções, data e formação
que acompanhava Piazzolla (ora
quinteto, ora octeto ou noneto).
Como bônus, faixas gravadas como singles ou EPs.
A coleção permite ver o que Fischerman chama de "o projeto de
Piazzolla de ser o Gershwin criollo". Nos discos dos anos 60, influenciado pela infância em Nova
York (quando Gershwin lançou a
ópera folk "Porgy and Bess") e pela passagem pela França, Piazzolla
rompe com sua carreira de tangueiro tradicional, experimenta
formações e busca músicos fora
do tango, capazes de improvisar.
"Na visão de modernidade de
Piazzolla, não podia haver música
que não falasse da cidade." E, assim como Gershwin, conseguiu
captar seus sons. "Piazzolla representou Buenos Aires, depois do
tango, morto à altura, e antes do
rock. Não havia filme que não
usasse uma composição dele", explica Fischerman.
Mas, diferentemente do compositor norte-americano -a falha no projeto criollo, diz o crítico-, ele não conseguiu uma produção verdadeiramente na música clássica. "Gershwin saiu da tradição da música escrita para encontrar o popular. Piazzolla fez o
inverso. Mas diferentemente do
americano, a obra de Piazzolla é
Piazzolla tocando. A execução é
essencial. A obra escrita não tem
mesmo peso", afirma.
Mal-entendidos
A organização da coleção é uma
espécie de subproduto do livro
que Fischerman escreve junto
com o músico e investigador Abel
Gilbert: "O Mal Entendido - Astor
Piazzolla e sua Música", que sairá
pela editora espanhola Edhasa.
Na tese dos autores, a história
do tango e de Piazzolla é uma sobreposição de "mal-entendidos":
"Surge de danças de salão que mal
entenderam danças afro-caribenhas, que são mal entendidas por
espanhóis que a transcrevem e
depois são mal entendidas por senhoritas que as tocam nos salões
da Europa. E essas partituras,
quando chegam aqui de volta, são
mal entendidas por músicos de
prostíbulos, das ruas, com pouca
técnica. Por ler mal ou distinto,
eles a transformam na música que
se chama tango."
No caso de Piazzolla, Fischerman afirma que ele foi "salvo" por
mal-entendidos. Foi o mal entendimento, ou o conhecimento
"epidérmico" do jazz ou da música clássica, que o salvou de ser
mais um bom músico nessas
áreas para lançá-lo "numa produção original e potente".
A imagem vai mais longe: para o
tango dos anos 50, lembra o crítico, Piazzolla representava "o
mal", atentava contra o tango bailável e propunha o "para escutar".
"Piazzolla era manco, odiava os
bailarinos acrobatas. O paradoxo
é "Adiós Nonino", atacado como
"não-bailável", hoje está em qualquer show "for export" e é o que
rende aos herdeiros."
Guiados pelos textos do crítico,
a coleção agrada tanto ao iniciante ambicioso quanto ao iniciado.
Os CDs trazem a capa original dos
LPs e críticas que avaliam a evolução e os recuos do músico, e informam o contexto da época, quer
da fracassada e simbólica guerra
contra a Grã-Bretanha, quer do
Piazzolla "correlato quase exato
do gosto burguês ilustrado dos
anos 60".
Além dos discos de Piazzolla,
foram incluídos dois da cantora
argentina Amelita Baltar, em que
o músico toca, é o diretor musical
e arranjador.
No formato, a coleção é simples,
talvez simples demais. Compram-se os discos em separado, o
que é bom, mas não existe caixa
especial para quem quer ter os 13.
Não há previsão de lançamento
no Brasil e aos visitantes de Buenos Aires se informa: cada um
custa 17,9 pesos (cerca de R$ 13),
em média.
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