São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 2007

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Crítica/teatro/"Pequenos Crimes Conjugais"

Direção refinada é trunfo de montagem

SÉRGIO SÁLVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O casal entra em casa, e a esposa relata ao marido o seu próprio cotidiano: ele perdeu a memória em um acidente mal explicado, que vai sendo desvendado ao mesmo tempo que sua própria identidade, em uma longa cena cheia de reviravoltas.
Eric-Emannuel Schitt é um dramaturgo hábil, que se mantém entre o policial e a nova filosofia, conciliando o comercial e o cult. Paulo Autran, que já tinha montado seu texto "Variações Enigmáticas" (1995), assina a tradução, provando que o ator é o tradutor ideal para teatro: adapta gírias sem perder a fluidez nem a elegância sonora.
Mas o grande trunfo da montagem é a direção. Márcio Aurélio, com seu perfeccionismo, controla da música inicial à da saída, dosando os climas com luz precisa e partitura detalhada de marcas e entonações. Não importa a elegância dos figurinos de grifes famosas nem o cenário de arquitetos: o requinte está no fato de cada detalhe se inscrever num código preciso de signos. Ou seja: o frio cimento da sala se aquece com a biblioteca ao fundo, caótica como as memórias evocadas. O mesmo jogo de cores, cinza e marrom, está presente no figurino da mulher: um casaco despido à medida que sua frieza se dispersa, enquanto o marido é uma caixa preta à deriva no espaço. Logo, as cores trocarão: o enigma passa a ser ela.
Em uma coreografia de boxe e tango, entre abismos de melancolia permeados por uma ironia fina, os atores se esforçam. São o chamariz e o ponto fraco do espetáculo. A experiência em TV falseia no palco: os timbres das vozes não correspondem à beleza dos corpos, momentos de interiorização parecem procurar câmeras para o close, mas mesmo disso o diretor tira partido. Maria Fernanda Cândido tem um jeito desajeitado de andar que acaba servindo para a desautorização da "femme fatale" pedida pelo texto. Mas deixa seu parceiro Petrônio Gotijo sem apoio, e ele grita em excesso, puxando de si a energia que falta para a cena.
Melhores atores talvez se beneficiassem mais da estrutura.
No entanto, estes têm o mérito de arriscar a fama em um texto desafiador, que exige mais a inteligência do público que as comédias comerciais. "Pequenos Crimes Conjugais", pelo refinado diretor e atilado tradutor, melhora o gosto de uma platéia fundamental, muitas vezes menosprezada: a de elite.


PEQUENOS CRIMES CONJUGAIS    
Quando: sex., às 21h30; sáb., às 21h; dom., às 19h. Até 25/2
Onde: Teatro Jaraguá (Novotel Jaraguá, r. Martins Fontes, 71, região central, tel. 0/xx/11/3255-4380)
Quanto: R$ 60


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