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Crítica/teatro/"Pequenos Crimes Conjugais"
Direção refinada é trunfo de montagem
SÉRGIO SÁLVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
O casal entra em casa, e a
esposa relata ao marido o seu próprio cotidiano: ele perdeu a memória
em um acidente mal explicado,
que vai sendo desvendado ao
mesmo tempo que sua própria
identidade, em uma longa cena
cheia de reviravoltas.
Eric-Emannuel Schitt é um
dramaturgo hábil, que se mantém entre o policial e a nova filosofia, conciliando o comercial
e o cult. Paulo Autran, que já tinha montado seu texto "Variações Enigmáticas" (1995), assina a tradução, provando que o
ator é o tradutor ideal para teatro: adapta gírias sem perder a
fluidez nem a elegância sonora.
Mas o grande trunfo da montagem é a direção. Márcio Aurélio, com seu perfeccionismo,
controla da música inicial à da
saída, dosando os climas com
luz precisa e partitura detalhada de marcas e entonações. Não
importa a elegância dos figurinos de grifes famosas nem o cenário de arquitetos: o requinte
está no fato de cada detalhe se
inscrever num código preciso
de signos. Ou seja: o frio cimento da sala se aquece com a biblioteca ao fundo, caótica como
as memórias evocadas. O mesmo jogo de cores, cinza e marrom, está presente no figurino
da mulher: um casaco despido à
medida que sua frieza se dispersa, enquanto o marido é
uma caixa preta à deriva no espaço. Logo, as cores trocarão: o
enigma passa a ser ela.
Em uma coreografia de boxe
e tango, entre abismos de melancolia permeados por uma
ironia fina, os atores se esforçam. São o chamariz e o ponto
fraco do espetáculo. A experiência em TV falseia no palco:
os timbres das vozes não correspondem à beleza dos corpos,
momentos de interiorização
parecem procurar câmeras para o close, mas mesmo disso o
diretor tira partido. Maria Fernanda Cândido tem um jeito
desajeitado de andar que acaba
servindo para a desautorização
da "femme fatale" pedida pelo
texto. Mas deixa seu parceiro
Petrônio Gotijo sem apoio, e ele
grita em excesso, puxando de si
a energia que falta para a cena.
Melhores atores talvez se beneficiassem mais da estrutura.
No entanto, estes têm o mérito
de arriscar a fama em um texto
desafiador, que exige mais a inteligência do público que as comédias comerciais. "Pequenos
Crimes Conjugais", pelo refinado diretor e atilado tradutor,
melhora o gosto de uma platéia
fundamental, muitas vezes menosprezada: a de elite.
PEQUENOS CRIMES CONJUGAIS
Quando: sex., às 21h30; sáb., às
21h; dom., às 19h. Até 25/2
Onde: Teatro Jaraguá (Novotel Jaraguá, r. Martins Fontes, 71, região
central, tel. 0/xx/11/3255-4380)
Quanto: R$ 60
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