São Paulo, quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

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Troca troca na moda

São Paulo Fashion Week começa hoje, sob o impacto da aquisição de grifes por investidores; Alexandre Herchcovitch e Marcelo Sommer conversam sobre o novo momento da moda brasileira

Henrique Gendre/Folha Imagem
Alexandre Herchcovitch veste look da grife Do Estilista, de Marcelo Sommer, e este veste modelo da marca Herchcovitch


ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

VIVIAN WHITEMAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A moda brasileira vive um momento histórico. Investidores começaram a adquirir no final do ano passado algumas das principais grifes do país, a fim de formarem grupos de gestão de marcas, nos moldes dos que existem na Europa e nos EUA.
Com isso, empresas de moda que muitas vezes eram negócios quase familiares passaram para as mãos de gestores profissionais, com objetivos capitalistas ambiciosos.
A temporada do inverno-2008 da São Paulo Fashion Week, que começa hoje e vai até a próxima segunda, acontece sob o impacto do novo poder desses grupos recém-surgidos e de suas aquisições bombásticas -como a da holding I'M Identidade Moda, que comprou a Zoomp e arrematou neste mês as grifes Herchcovitch; Alexandre e Fause Haten.
Para discutir a situação atual da moda no país, a Folha convidou dois dos principais estilistas do país, Alexandre Herchcovitch e Marcelo Sommer. O primeiro, após vender a sua marca, agora exerce três funções na I'M: diretor de criação da Herchcovitch; Alexandre e da Zoomp e curador geral das demais marcas da holding.
Sommer é dono da marca Do Estilista e atua como diretor de criação da Cavalera. Em 2004, ele vendeu a grife Sommer para o grupo catarinense AMC Têxtil, passou a atuar como diretor criativo da marca, mas, após uma série de mal-entendidos, saiu da empresa em 2006.
Hoje, ele está impedido de usar o nome Sommer em seus produtos. "Foi muito ruim que tivesse ocorrido esse problema, mas, por outro lado, foi bom para o aprendizado geral do que não se deve fazer com uma grife", afirma Herchcovitch.

 

FOLHA - A aquisição de grifes por investidores é um bom negócio para a moda brasileira?
MARCELO SOMMER -
Esses grupos que estão aparecendo agora, como o da Cavalera e o que comprou a Herchcovitch [I'M] entendem melhor a função do designer e a função da moda. Não pensam a moda apenas como commoditie. Eu tive a experiência de vender a minha marca para uma tecelagem, não para um grupo financeiro. Quando vendi, entendi o seguinte: "Olha, vamos comprar porque essa marca é legal". Mas vi que eles não sabiam muito bem do que se tratava. Existem marcas dentro desse mesmo grupo [a AMC Têxtil] que já tinham uma ferramenta de vendas, no caso, o jeans e a camiseta. Não sou contra, acho ótimo ter grifes assim. Só que eu penso que o meu jeans e a minha camiseta não precisavam ter a mesma cara dos outros que o grupo produz.
ALEXANDRE HERCHCOVITCH - O que está acontecendo, talvez até tardiamente, é um processo de amadurecimento. As aquisições e junções, tal como estão sendo feitas agora, podem fortalecer as marcas. O segredo do sucesso daqui para a frente é respeitar a individualidade de cada marca e não querer pasteurizar o que elas produzem. O grupo X [ele não diz o nome da AMC Têxtil] pasteurizou muito as grifes que comprou.
Isso é um grande erro. Marcelo, você acha que a marca Sommer perdeu quantos clientes depois que foi vendida?
SOMMER - Perdeu todos.
HERCHCOVITCH - Pois é, todos. Hoje, quem quer aquela roupa da Sommer que você fazia vai procurar na loja Do Estilista [nova marca de Marcelo Sommer]. Então, esse foi o grande erro. Foi muito ruim que tivesse ocorrido esse problema, mas, por outro lado, foi bom para o aprendizado geral do que não se deve fazer com uma grife. É burrice jogar um balde de areia e enterrar uma coisa que demorou tanto tempo para ser construída. O que interessa é entender a marca que se está comprando e fazer dinheiro com a sua história.

FOLHA - O que um estilista deve fazer para, ao vender a sua marca, não assistir à destruição dela?
HERCHCOVITCH -
A primeira coisa a saber é que a marca não será mais sua. Então, se o grupo decidir mudar o direcionamento do que você vinha fazendo, não adianta chiar, porque você já vendeu e colocou o dinheiro no bolso. Acabou. Precisa ter um desapego muito grande.
SOMMER - Exatamente isso. Por mais que você coloque uma cláusula no contrato dizendo que todas as decisões de criação vão passar por você, a marca não é mais sua -e isso muda tudo. Então, uma dica é repensar essa cláusula de modo que ela possa garantir que o estilista realmente tomará conta da grife até ela crescer e se desenvolver. É como se você desse um filho para a adoção, mas pudesse ficar como babá dele por um período determinado.
HERCHCOVITCH - Por outro lado, a venda da marca também pode propiciar ao estilista um grande sonho, que é se desvencilhar da parte comercial e continuar só como diretor de criação.
SOMMER - 10% do meu tempo eu passo criando, e 90%, batalhando por dinheiro. Custa caro a criação, custa caro um desfile na São Paulo Fashion Week -é um apartamento por edição! É preciso patrocínio. Mas minha intuição é a de que os grupos de investimentos no Brasil, mesmo com toda a estrutura, ainda não têm essa mentalidade de deixar esse tempo livre só para a criação. Acho que todos ainda terão muito o que aprender.
HERCHCOVITCH - Sim, porque é tudo muito novo ainda. Mas o ponto forte é que a própria moda do país mostrou aos investidores que estava na hora de seguir por esse caminho dos grupos e das aquisições. Às vezes, as pessoas menosprezam o momento atual da moda brasileira, mas ele é muito importante comercialmente e também para o entendimento do público. Está acabando aquela coisa de que moda é futilidade. Não é mais.


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