SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O mundo da alta-costura já atraiu cineastas como o alemão Wim Wenders (no documentário "Identidade de Nós Mesmos", de 1989, sobre o estilista Yohji Yamamoto) e o americano Robert Altman (em "Prêt-À-Porter", de 1994, sobre o ecossistema de desfiles em Paris).
O chinês Jia Zhang-ke junta-se a eles com o documentário "Inútil" (2007), em que a indústria da moda fornece matéria-prima para que o cineasta se dedique novamente ao motor de sua obra, a acelerada transformação econômica da China e seu impacto sobre os cidadãos.
Anterior ao longa "24 City" e ao curta "Cry Me a River" -ambos de 2008- na filmografia de Zhang-ke, o filme tem como personagem principal a estilista Ma Ke, a quem acompanhamos nos preparativos para apresentar a grife Wu Yong na Paris Fashion Week, em 2007.
Wu Yong significa "inútil" -e bastaria isso para que uma teia de significado evidente se descortinasse enquanto a performance da marca é aplaudida pela comunidade "fashion". Ma Ke se considera "antifashion" e lamenta que o artesanal deixe de fazer sentido.
Seus conceitos sobre moda e economia ocupam o bloco intermediário do documentário, contrastando com o inicial, em que uma extenuante linha de montagem produz roupas em ritmo industrial às custas da saúde dos empregados, e com o final, em que uma pequena loja familiar de reparos atende a uma clientela de mineiros.
Distantes do mundo "fashion", esses personagens são de Fenyang, cidade natal de Zhang-ke e cenário de "Plataforma" (2000), o "filho" de quem o cineasta disse se sentir mais próximo em entrevista à Folha em 2007.
Talvez não seja por acaso que, ali, o filme se desgarre um pouco do rigoroso padrão de observação que o orienta, com lentos movimentos laterais de câmera registrando a ação com frieza, e se entregue um pouco mais à poesia, que Zhang-ke ergue discretamente como um pintor cujos enquadramentos são gravados a fogo na memória do espectador.
Por exemplo: um mineiro conta por que deixou de ser alfaiate, sua mulher fica envergonhada a seu lado, e a câmera os abandona, a certa altura, para mostrar as luzes que decoram a sua casa modestíssima. China, 2007, e estamos conversados.