São Paulo, sábado, 16 de fevereiro de 2008

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Livro/teatro

Lançamento ilumina teatro de Nelson Rodrigues

Fernanda Montenegro, Sábato Magaldi e Arnaldo Jabor comentam obra do dramaturgo

Arquivo Paulo Garcez, 1980/Divulgação
O escritor Nelson Rodrigues durante entrevista, em 1980, ano de sua morte

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

É como esses arquivinhos amadores que costumamos organizar sobre uma personalidade que admiramos: abrimos uma pasta e começamos a jogar nela o que nos cai em mãos sobre a pessoa -recortes, fotos, programas, anúncios, às vezes um autógrafo e, quem sabe, um rol de roupa ou lista de feira achado num livro comprado no sebo. Ao fim e ao cabo, o material que reunimos não será suficiente para compor uma biografia, mas dará uma idéia aproximada da importância do sujeito.
A historiadora Lélia Coelho Frota faz o mesmo, só que para valer. Com a pasta dedicada a Nelson Rodrigues, a coleção de "Arquivinhos" de escritores criada por ela para a editora Bem-Te-Vi chega agora ao número quatro. Os três primeiros -que enfocaram Vinicius de Moraes (2002), Helio Pellegrino (2004) e Otto Lara Resende (2007)- mostraram uma nítida evolução gráfica e conceitual, chegando quase à perfeição com o de Otto. O de Nelson está no mesmo nível do anterior, até no igual número de itens,12, dentro da pasta. Pena que, ao contrário do dedicado a Otto, que dava uma visão abrangente da vida e da obra do homenageado, o de Nelson se concentre quase que exclusivamente na obra e, fechando ainda mais a lente, em seu teatro.
Nesse sentido, não há o que reclamar. O "Arquivinho" de Nelson contém novos e importantes depoimentos pelas maiores autoridades na sua dramaturgia. Num dos encartes, o crítico Sábato Magaldi analisa-a peça por peça, de "A Mulher Sem Pecado" (1942) a "A Serpente" (1980). Em outro, Barbara Heliodora concentra sua ótica na revolução de "Vestido de Noiva", com que Nelson virou o teatro brasileiro de cabeça para baixo em 1943.

"O Beijo no Asfalto"
E, num bonito texto, Fernanda Montenegro dá sua visão bem pessoal de Nelson, com a autoridade de quem um dia lhe pediu uma peça e ele escreveu nada menos do que "O Beijo no Asfalto" -para mim, sua principal "tragédia carioca" e, toda ela, uma grande metáfora de sua frase sobre a unanimidade burra.
A cargo de Sábato, ficou também um apanhado de frases extraídas das peças, prejudicado pela confusa disposição gráfica. E duas atrações extras: um fac-símile do programa de "O Beijo no Asfalto" na montagem original do Teatro dos 7, em 1961 (com um ensaio do psicanalista Helio Pellegrino), e o pôster de "Toda Nudez Será Castigada", também na montagem original pelo TBC, de 1965.
Fora da área teatral, há um breve, mas esclarecedor apanhado da trajetória do escritor por Claudio Mello e Souza -com a constatação de que a linguagem escandalosamente brasileira de Nelson pode estar no fato de que, desde criança, ele se alimentou da alma dos subúrbios cariocas, ignorando o Rio francês do cais Pharoux, da rua do Ouvidor e da Lapa, que tanto encantou predecessores como Machado, Bilac ou Luís Martins.
Há também uma memória de Armando Nogueira sobre Nelson no futebol, uma pensata de Arnaldo Jabor e uma competente cronologia (que também ficou a cargo de Mello e Souza).
Não se pode dizer o mesmo da bibliografia -cheia de omissões, uma das quais a dos 12 volumes (metade deles originais) da coleção de Nelson fora do teatro, publicada pela Companhia das Letras entre 1992 e 1997, e sem a qual ele não teria sido redescoberto por toda uma nova geração.
Por sorte, os aspectos sobre a vida de Nelson que ficaram de fora do "Arquivinho" são compensados pelo melhor item da caixa: o DVD/CD contendo a célebre entrevista em vídeo com Nelson por Otto Lara Resende, em 1977 (reprisada com alguma freqüência pela TV Globo), e o longo e inédito depoimento em áudio de Nelson ao Museu da Imagem e do Som, do Rio, dez anos antes.

De Otto a Grünewald
Neste último, Nelson é entrevistado por Helio Pellegrino, Otto Lara Resende, José Lino Grünewald, Fausto Wolff, Walmir Ayala e Ricardo Cravo Albin. É excepcional pela inteligência das respostas, quase sempre engraçadíssimas, e está cheio de revelações, como a de que, mesmo adulto, raramente disse um palavrão e que, com o sucesso de "Vestido de Noiva", quase foi destruído por seus admiradores -porque passou a escrever para eles.
Aos 54 anos naquele dia 30 de julho de 1967, o dramaturgo parecia surpreendentemente jovem e saudável. A voz estava límpida, firme, e as frases, fluentes e perfeitas, saíam como que prontas para um texto impresso.
Foi bom ouvir este CD para me certificar de que, 40 anos depois, a memória não me traíra. Lembrava-me de quase tudo que Nelson dissera no depoimento -porque, como repórter, pelo "Correio da Manhã", eu também havia estado naquela salinha do MIS, ouvindo tudo. De olho rútilo, lábio trêmulo e, bem provavelmente, babando na gravata.


ARQUIVINHO NELSON RODRIGUES
Coordenação:
Claudio Mello e Souza
Textos: Arnaldo Jabor, Barbara Heliodora, Fernanda Montenegro, Sábato Magaldi etc.
Editora: Bem-Te-Vi
Quanto: R$ 205
Avaliação: bom

RUY CASTRO é autor de "O Anjo Pornográfico", biografia de Nelson Rodrigues.


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