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Crítica/CD/The Piano Sonatas - Vol. 8
Pianista Schiff reelabora as Sonatas de Beethoven
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Um detalhe na introdução da
Sonata op. 111 serve para definir o caráter dessa gravação das
últimas três sonatas de Beethoven (1770-1827) pelo pianista
András Schiff.
A introdução é lenta e "majestosa", como indica o compositor. No último compasso antes de virar "Allegro con brio ed
appassionato", a mão esquerda
começa um trinado, na região
grave (faixa 8, 1'25). Está grafado em fusas: 32 notas por compasso. O trinado continua, sem
interrupção, no compasso seguinte (1'29), mas escrito em
semicolcheias: 16 notas por
compasso.
A maioria dos pianistas acelera o tempo nessa passagem. É
o que se escuta, por exemplo,
nas gravações de Guiomar Novaes (de 1966), Daniel Barenboim (1984) e Sviatoslav Richter (1991). Já Schiff adota
outra leitura. Baseado na proporção matemática (32/16),
assume que o pulso do
"Allegro" deve ser o dobro
do da introdução -o que, por
sua vez, significa que a introdução não é tão lenta como habitualmente se toca.
Parece um detalhe, mas não
é. Para um pianista desse porte,
não existe diferença entre
atenção analítica à partitura e
compreensão poética da música. Tanto mais em três obras
como essas, realizações supremas do chamado "estilo tardio"
de Beethoven, em que a forma,
levada ao limite, vira o desafio
da música: cada elemento, cada
pequeno acontecimento será
elaborado até que a música
consiga, afinal, se liberar de si.
O trinado em fusas e semicolcheias da op. 111 foi comentado
em detalhe por Charles Rosen,
autor do estudo de referência
sobre o estilo clássico ("The
Classical Style", 1971), num outro livro, só sobre as sonatas de
Beethoven: "Beethoven's Piano
Sonatas" (2002). Citado por
Schiff na longa entrevista do
encarte, Rosen está entre as bases musicológicas desse último
CD, assim como dos sete precedentes, compondo a integral
das Sonatas de Beethoven pelo
pianista húngaro.
Fala sufocada
Baseado diretamente nele ou
não, o que se escuta são dezenas de pequenas diferenças de
fraseado, articulação, dinâmica
e uso do pedal, às vezes com
efeito dramaticamente novo.
Veja-se a reprise da "Arietta",
no terceiro movimento da Sonata op. 110. Schiff interpreta a
primeira versão da melodia como música "vocal", o que todo
mundo faz; mas como ninguém, depois, encena dificuldades de enunciação -uma fala
sufocada, entrecortada- nessa
repetição estranha e ainda mais
expressiva da melodia.
Sem falar no próprio instrumento: contrariando a unanimidade atual do Steinway, ele
alterna esse com um Bösendorfer vienense, mais aveludado.
"Não é por acaso que [o vienense] Schubert [17979-1828] soa
especialmente bem num Bösendorfer", escreve Schiff. "E
muitas das sonatas de Beethoven nos fazem pensar em Schubert [...]" Qualquer ouvinte
atento pode perceber a diferença, aqui, entre o Bösendorfer da
Sonata op. 109 e o Steinway das
outras duas.
Sobre isso também, não dá
para dizer que é um detalhe. É o
piano. É o corpo e o espírito da
música, elaborada em chave
própria por um grande artista.
LUDWIG VAN BEETHOVEN - THE
PIANO SONATAS - VOL. 8
Artista: András Schiff
Gravadora: ECM
Quanto: US$ 17,98 (R$ 40,63, mais taxas; www.amazon.com)
Avaliação: ótimo
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