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Noel ganha estudo acadêmico
Livro reúne 14 textos que analisam obra do compositor, que faria 100 anos em 2010
Disco, previsto para sair em maio, traz sambas menos conhecidos de Noel Rosa, interpretados pela família de Martinho da Vila
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O ano começou ontem para
Noel Rosa (1910 -1937). Protagonista do desfile do G.R.E.S.
Vila Isabel, quinta escola a passar pela Marquês de Sapucaí na
madrugada dessa segunda-feira, o compositor ganha, no decorrer de 2010, uma série de
homenagens pelo centenário
de seu nascimento.
Outro ícone daquele bairro,
Martinho da Vila está envolvido em, por enquanto, dois desses eventos. Além de ser autor
do samba-enredo mostrado
ontem na avenida, é o principal
artista do disco que virá encartado em "Noel Rosa -100 Anos
de Samba", livro programado
para chegar às lojas em maio.
O projeto foi idealizado por
Júlio Diniz, do departamento
de Letras da Puc-Rio, e é parceria entre a Editora Puc-Rio e a
gravadora Biscoito Fino.
Em fase de produção, o CD
vai trazer sambas menos conhecidos de Noel. Quem os interpreta é Martinho e a família,
incluindo os filhos Tunico Ferreira, Analimar e Mart'nália.
Já o livro reúne 14 textos inéditos, maior parte deles escrita
por figuras do meio acadêmico,
que vão analisar diferentes aspectos da obra de Noel.
"Cada texto tem como fio
condutor um samba de Noel
-ou, em alguns casos, um grupo deles", diz Diniz. "Trazem à
tona o Rio da época, a malandragem, a boemia, a arte."
Santuza Cambraia Naves,
professora do Departamento
de Sociologia e Política da Puc-Rio, traça paralelos entre Noel
e o modernismo.
"Apesar de não ser um intelectual, Noel fez canções que
realizam a estética modernista", ela diz. "O samba "Gago
Apaixonado", por exemplo, é
completamente metalinguístico. A música gagueja junto com
a letra. Isso só aconteceria de
novo com tamanha eficiência
em composições da bossa nova,
como "Samba de uma Nota Só'".
Segundo Santuza, ao mesmo
tempo em que tem um eu lírico
apaixonado, Noel nunca perde
o humor. O amor em suas canções não é trágico.
Autora do livro "No Fio da
Navalha: Malandragem na Literatura e no Samba" (Casa da
Palavra), Giovanna Dealtry redimensiona o "duelo" entre
Noel e Wilson Batista.
"Ao responder, em forma de
canção, o samba "Lenço no Pescoço", Noel iniciou um diálogo
com Batista que gerou nove
sambas -inclusive o tão famoso "Feitiço da Vila'", ela conta.
"Noel se incomodava com essa
exaltação do malandro de navalha na mão. O que propunha era
uma malandragem mais leve,
menos visada pela polícia. Apesar de circular no morro, ele era
branco e filho da classe média. "
Em seu capítulo no livro, Júlio Diniz rememora a redescoberta de Noel nos anos 1960,
bancada principalmente pelo
encontro e amizade de Maria
Bethânia com Aracy de Almeida, ainda hoje considerada uma
das maiores intérpretes do
compositor da Vila.
"Bethânia mantém a linha de
interpretação de Aracy, só que
em outro contexto", ele diz.
"Grava sambas de Noel ao lado
de canções tropicalistas de
Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Tradição e inovação são tratadas, ali, como uma coisa só."
Diniz dedica muitas linhas de
sua tese às primeiras composições de Chico Buarque e lembra que o jovem artista seguiu
de perto a escola poética do veterano, acrescentando a ela as
harmonias sofisticadas aprendidas com a bossa nova.
Como seu tempo é outro,
"devagar, devagarinho", Martinho não tem certeza se vai conseguir escrever seu texto em
tempo hábil para o lançamento
do livro. Mas tem muito a dizer
sobre Noel, responsável, segundo ele, pela "elevada autoestima da minha Vila Isabel". Quer
abordar a da postura política e
social de Noel.
"Ele combateu preconceitos
contra músico, contra mulher,
contra cantor, contra sambista,
contra negro. Fez parcerias
com Cartola, Ismael Silva, com
a negrada toda", diz. "Até o preconceito sexual que era terrível
ele combatia. Dedicou a Madame Satã, que era negro, bandido e homossexual. Quem na
música popular brasileira fez
mais do que isso?"
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