São Paulo, sexta-feira, 16 de março de 2007

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Cinema/estréias


Crítica/"Scoop - O Grande Furo"

Comédia transmite o prazer de Allen

Longa sobre jovem repórter que busca desvendar identidade de "serial killer" é simulacro de filme de investigação policial

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Woody Allen são pelo menos dois. Existe aquele cineasta grave, intelectual, que pode se inspirar em Dostoiévski ou Bergman e parece viver preocupado com o lugar que a história do cinema lhe reservará.
E existe o Woody Allen que não esquece sua origem de comediante e gosta de se divertir enquanto filma. Este último pode nos dar filmes irregulares, é verdade, nem sempre memoráveis, mas que nunca se confundem com os vôos cegos tão freqüentes na indústria do entretenimento.
Woody sabe o que faz quando faz "Scoop - O Grande Furo", por exemplo, em que uma estudante de jornalismo é freqüentada pelo espírito de um grande repórter -já morto, evidentemente- que lhe dá pistas para resolver um tenebroso caso de "serial killer". Como estamos na Inglaterra, trata-se de um caso tipo Jack, o Estripador.
A jovem repórter é Scarlett Johansson, e a primeira vez que ela "recebe" o repórter ela está na cabine em que um prestidigitador (Allen) executa seu truque de desmaterialização.
Esse fato ligará os dois: a moça fará do mágico seu acompanhante, protetor etc.

Convenções
Ocorre que, em meio à onda de crimes, o finado repórter aponta como criminoso (com todo o conhecimento que se pode adquirir no além sobre essas coisas) um rapaz belo e riquíssimo (Hugh Jackman), filho de um lorde, portanto, membro da aristocracia.
A partir daí, estamos no território da investigação. E de seus desastres. O primeiro e mais definitivo vem do fato de a garota se apaixonar pelo belo aristocrata. Mas, que importa essa falha profissional? O que Woody Allen parece nos dizer ao longo de todo este filme (e dos filmes como este que faz) é que talvez não convenha levar essas convenções tão a sério.
Ou seja, seu filme não é um filme de investigação policial, mas uma espécie de simulacro consciente a nos lembrar que, se não é possível chegar à verdade (artística ou criminal), convém ao menos não fingir que estamos chegando.
Nesse aspecto, o Woody Allen desses "filminhos irresponsáveis" é mais grave e mais interessante que o dos "grandes temas humanos".
E talvez não seja por acaso que Woody Allen se permite, no final, basear a resolução do filme na mais completa inverossimilhança: temos a história de um criminoso capaz de calcular tudo, com exceção do óbvio. Solução só aparentemente tola, feita para chatear os "nossos amigos verossímeis", como diria Hitchcock.
Pois uma solução que remonta a Fritz Lang, ao Lang de "Suplício de uma Alma" -o filme mais inverossímil de todos os tempos, mas também um dos mais verdadeiros.
É claro que "Scoop" não é memorável como "Suplício".
Mas é um filme que não finge ser mais inteligente do que é, e em que Woody Allen, sua equipe e atores parecem ter trabalhado com prazer que, afinal, nos transmitem.


SCOOP - O GRANDE FURO    
Direção: Woody Allen
Produção: Inglaterra/EUA, 2006
Com: Scarlett Johansson, Hugh Jackman e Woody Allen
Quando: em cartaz nos cines Metrô Tatuapé, Reserva Cultural e circuito


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