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CARLOS HEITOR CONY
Aquele abraço
Ninguém esperava que Lula e Bush se engalfinhassem por conta de divergências
JORNAIS E revistas, na semana
passada, deram destaque à foto
de Lula e Bush unidos num
abraço que pareceu a todos sincero,
afetuoso de parte a parte.
Ninguém esperava que os dois se
engalfinhassem por conta das divergências pessoais e políticas que marcam as relações do Brasil com os Estados Unidos. Cada qual ficou na
sua, Lula não se comprometeu a
romper relações de amizade com
Chávez, Bush não prometeu mudar
a legislação de seu país sobre o comércio dos nossos produtos.
Mesmo assim, o abraço (que em
breve se repetirá em Camp David)
foi positivo, Lula poderia se recusar
ao gesto de amizade, alegando a malignidade do satanás de plantão. E
Bush poderia recusar qualquer tipo
de intimidade com o presidente de
um país que condenou a invasão do
Iraque - pedra de toque que ficará
marcando sua participação no cenário internacional do nosso tempo.
E por falar no Iraque, lembro o
abraço que ficou faltando entre o
mesmo Bush e Saddam Hussein.
Não se trata de um delírio do cronista. Dias antes da invasão, o ditador
iraquiano deu uma entrevista a uma
rede de televisão norte-americana,
convidando Bush a um encontro
pessoal. Que ele viesse acompanhado de seus principais assessores, técnicos e informantes para verificar se
havia ou não armas de destruição
em massa em algum ponto do território iraquiano.
Delegações internacionais e da
própria ONU já haviam feito os relatórios negando a existência deste arsenal apocalíptico, mas Bush continuava brandindo suas acusações sobre o poder destruidor das armas
inexistentes de Saddam Hussein.
Mentira que já custou e continuará
custando milhares de mortes e colocou Bush no patamar de vilania no
qual se encontra.
Bush não respondeu ao apelo, já
estava em negociações com outros
chefes de Estado para apoiarem a invasão, ele desejava destruir Saddam
Hussein de qualquer maneira, obrigou o general Colin Powell a exibir
as provas do arsenal inexistente. E
partiu para uma guerra que ainda
não acabou, livrando-se de seu inimigo, que terminou na forca, julgado e condenado pela Justiça iraquiana, mas por outros crimes pontuais
de sua ditadura e não pelas armas de
destruição em massa que ele não tinha.
Se Bush tivesse aceitado o apelo
de Saddam Hussein, não precisaria
abraçá-lo afetuosamente, tal como
fez com Lula. Bastaria o encontro
em si para desarmar o dispositivo de
guerra que já estava montado, pelo
menos adiaria por tempo indeterminado a invasão, até que fossem
criadas novas condições para um
novo ultimato.
Uma guerra - já foi dito por aí- é
a continuação da diplomacia por outros meios, os meios da força bruta
que nada têm de diplomático. E
Bush queria a guerra, repetindo o argumento do lobo contra o cordeiro
na fábula de Esopo.
Evidente que Saddam não podia
ser comparado a um cordeiro, mas
naquele episódio -o do arsenal que
não possuía- estava sem a culpa
alegada pelo lobo para destruí-lo.
Dizem que a fome de um lobo é
formidável. Por necessidade de ofício e por gosto pessoal, Bush continua sendo o lobo catando no cenário
internacional os cordeiros que nem
sempre são mansos e inofensivos,
como Chávez, Morales e o próprio
Lula, que atravessa uma temporada
realmente inofensiva aos interesses
dos Estados Unidos. Daí ter recebido o abraço carinhoso, sagrando-o
como o líder da América Latina para
o gosto de Bush e do próprio Lula,
que está vendo sua liderança continental sumir pelo ralo do petróleo
de Chávez e do gás de Morales.
Há sempre uma moeda para pagar
os almoços que nunca são grátis. Lula não dispõe de petróleo suficiente
nem de gás bastante para negociar
mas tem canaviais à beça para poupar o milho de onde os norte-americanos obtêm um combustível alternativo. Pode e deve ser considerado
um "friend", tal como Roosevelt
considerava Vargas, chamando-o de
"my friend Vargas".
E foram realmente amigos: Vargas cedeu a Roosevelt a base militar
de Natal para abastecer os exércitos
aliados que lutavam no norte da
África contra os tanques nazistas. E
Roosevelt colocou a construção da
usina de Volta Redonda entre as
prioridades do esforço de guerra que
os Estados Unidos atravessavam.
Da amizade dos dois líderes resultaram benefícios concretos para os
dois países. Donde se conclui que
um abraço pode mudar a história,
mesmo que seja na base do toma lá e
dá cá.
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