São Paulo, terça-feira, 16 de março de 2010

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Ramil constrói milonga para Borges

Compositor gaúcho grava doze faixas que misturam textos do escritor argentino e do gaúcho João da Cunha Vargas

Criador do termo "estética do frio", cantor busca aproximações entre música e literatura do sul do país e as da região do Rio da Prata

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

Para o cantor e compositor gaúcho Vitor Ramil, 47, o frio é mais do que um elemento climático que caracteriza o Sul do país e o Rio da Prata. Designa também um conceito artístico, que abarca a literatura e a música da região.
Ramil já formulara a ideia de "estética do frio" nos anos 90, exposta nos álbuns "Ramilonga" (1997) e "Tambong" (2000). Tratava-se de uma reação, pois o artista não se sentia identificado com o estereótipo relacionado à música que se faz no Rio e no Nordeste e desejava explorar o vínculo da cultura regional sulista com as do Uruguai e da Argentina.
Na prática, significava revelar um Brasil que não é o do sol e da festa, mas o da melancolia e das temperaturas baixas. Musicalmente, traduzia-se em canções tristes, de temas do campo, com elementos de ritmos tradicionais da região, algumas gravadas em espanhol.
Agora, o compositor faz um mergulho mais profundo nesse tema em "délibáb", álbum que chega ao mercado. São 12 milongas, -gênero popular da região platina, próximo do tango-, compostas para poemas de Jorge Luis Borges (1899-1986) e do brasileiro João da Cunha Vargas (1900-1980).
Ramil baseou-se na obra "Para las Seis Cuerdas", do escritor argentino, e no conjunto de versos que o poeta gaúcho deixou gravados em fitas-cassete e que depois viraram o livro "Deixando o Pago".
"Délibáb" é uma palavra húngara que significa "ilusão do sul" e designa um fenômeno ótico causado pela refração desigual de raios solares que provoca um espelhismo de paisagens, que confunde a visão.
Ramil transportou a imagem para o sul da América e para o tempo em que viveram os dois autores. E passou a criar a partir da sugestão de que ambos poderiam ter se cruzado em certo momento da história, quando estiveram na região da fronteira entre Brasil e Uruguai. Vargas em Alegrete (RS) e Borges na estância Las Nubes, a poucos quilômetros dali.
"Este trabalho começou apenas com Borges. Porém, quando percebi as aproximações possíveis entre vida e obra dele e de Vargas, concluí que juntar ambos me permitiria explorar mais o modo como vejo o meu sul brasileiro com o sul portenho e uruguaio", disse à Folha.
Nas letras de Borges é personagem comum o "compadrito", figura típica dos arrabaldes de Buenos Aires. Mistura de "gaucho" do interior com imigrante europeu ou mesmo negro, representante de certa filosofia popular. A violência dessas relações, a fatalidade e a morte permeiam os temas.
Borges, tipo essencialmente urbano, tinha fascínio pelas figuras suburbanas e interioranas, que identificava também com certo Oriente místico.
Já os textos de Vargas são mais sentimentais. "Ao confrontar ambos, o gaúcho mostra-se mais brasileiro, mais doce", explica Ramil. O disco foi gravado em Buenos Aires. No período, o músico morou próximo do local onde Borges viveu, entre as ruas Quintana e Pueyrredón, e refez alguns trajetos pela periferia de que o autor de "O Aleph" tanto gostava. Também queria estar perto do parceiro neste trabalho, o violonista Carlos Moscardini. No Rio, gravou a participação de Caetano Veloso, que canta em "Milonga de los Morenos".


DÉLIBAB

Artista: Vítor Ramil
Lançamento: Satolep
Quanto: R$ 35 (em média)




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