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Ramil constrói milonga para Borges
Compositor gaúcho grava doze faixas que misturam textos do escritor argentino e do gaúcho João da Cunha Vargas
Criador do termo "estética do frio", cantor busca aproximações entre música e literatura do sul do país e as da região do Rio da Prata
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA
Para o cantor e compositor
gaúcho Vitor Ramil, 47, o frio é
mais do que um elemento climático que caracteriza o Sul do
país e o Rio da Prata. Designa
também um conceito artístico,
que abarca a literatura e a música da região.
Ramil já formulara a ideia de
"estética do frio" nos anos 90,
exposta nos álbuns "Ramilonga" (1997) e "Tambong"
(2000). Tratava-se de uma reação, pois o artista não se sentia
identificado com o estereótipo
relacionado à música que se faz
no Rio e no Nordeste e desejava
explorar o vínculo da cultura
regional sulista com as do Uruguai e da Argentina.
Na prática, significava revelar um Brasil que não é o do sol
e da festa, mas o da melancolia
e das temperaturas baixas. Musicalmente, traduzia-se em
canções tristes, de temas do
campo, com elementos de ritmos tradicionais da região, algumas gravadas em espanhol.
Agora, o compositor faz um
mergulho mais profundo nesse
tema em "délibáb", álbum que
chega ao mercado. São 12 milongas, -gênero popular da região platina, próximo do tango-, compostas para poemas
de Jorge Luis Borges (1899-1986) e do brasileiro João da
Cunha Vargas (1900-1980).
Ramil baseou-se na obra "Para las Seis Cuerdas", do escritor
argentino, e no conjunto de
versos que o poeta gaúcho deixou gravados em fitas-cassete e
que depois viraram o livro
"Deixando o Pago".
"Délibáb" é uma palavra
húngara que significa "ilusão
do sul" e designa um fenômeno
ótico causado pela refração desigual de raios solares que provoca um espelhismo de paisagens, que confunde a visão.
Ramil transportou a imagem
para o sul da América e para o
tempo em que viveram os dois
autores. E passou a criar a partir da sugestão de que ambos
poderiam ter se cruzado em
certo momento da história,
quando estiveram na região da
fronteira entre Brasil e Uruguai. Vargas em Alegrete (RS) e
Borges na estância Las Nubes, a
poucos quilômetros dali.
"Este trabalho começou apenas com Borges. Porém, quando percebi as aproximações
possíveis entre vida e obra dele
e de Vargas, concluí que juntar
ambos me permitiria explorar
mais o modo como vejo o meu
sul brasileiro com o sul portenho e uruguaio", disse à Folha.
Nas letras de Borges é personagem comum o "compadrito",
figura típica dos arrabaldes de
Buenos Aires. Mistura de "gaucho" do interior com imigrante
europeu ou mesmo negro, representante de certa filosofia
popular. A violência dessas relações, a fatalidade e a morte
permeiam os temas.
Borges, tipo essencialmente
urbano, tinha fascínio pelas figuras suburbanas e interioranas, que identificava também
com certo Oriente místico.
Já os textos de Vargas são
mais sentimentais. "Ao confrontar ambos, o gaúcho mostra-se mais brasileiro, mais doce", explica Ramil.
O disco foi gravado em Buenos Aires. No período, o músico morou próximo do local onde Borges viveu, entre as ruas
Quintana e Pueyrredón, e refez
alguns trajetos pela periferia
de que o autor de "O Aleph"
tanto gostava. Também queria
estar perto do parceiro neste
trabalho, o violonista Carlos
Moscardini. No Rio, gravou a
participação de Caetano Veloso, que canta em "Milonga de
los Morenos".
DÉLIBAB
Artista: Vítor Ramil
Lançamento: Satolep
Quanto: R$ 35 (em média)
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