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TIM MAIA
Cantor ia sempre além
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Sobre ele, é preciso de início reafirmar o ululante: foi o implantador da soul music à brasileira. Isso
é pouco, entretanto.
Dois outros homens, em especial
-e deles poucos hão de dizer que
sejam soulmen brasileiros-, devem tudo e um pouco mais aos ensinamentos de mestre Tim Maia:
Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Antes, tudo era jovem guarda
-e Tim já estava no pedaço, influenciando pelas beiradas (pois
ele próprio demorava a acontecer
de fato, por seus próprios méritos)
a tomada do poder pop por Roberto e Erasmo.
A estréia de Tim em disco, em
70, é paralela à primeira guinada
artística de Roberto Carlos.
Sim, é difícil imaginar, mas Roberto, por volta de 69, abandonava
a juvenília jovem guarda e se
transformava em... soulman.
Como o fazia? Cantando balada
("Sua Estupidez", "Debaixo dos
Caracóis dos Seus Cabelos"), gospel ("Jesus Cristo", "Ana", "Todos
Estão Surdos"), funk ("Não Vou
Ficar", composta adivinha por
quem?).
Erasmo não tardou a seguir seus
passos, concebendo sua obra-prima, "Carlos, Erasmo" (71), com
torpedos soul como "Mundo Deserto" e "Sodoma e Gomorra".
Reunidos, os trabalhos 69-71 dos
dois artistas brancos configuram
fases de estado de graça -e, o que
sempre passa batido, fundamentalmente tributárias do trabalho
que Tim Maia, por si só, começava
a desenvolver.
E o dele era, de fato, mais complexo que os dos colegas mais ricos. "Primavera (Vai Chuva)" e
"Eu Amo Você", de Cassiano, temas-mito do primeiro disco, chegavam com cor de manifestos de
apresentação do soul nacional -o
mesmo fazia "Azul da Cor do
Mar", composta pelo próprio dono da voz.
Tim ia além. Apaixonava-se pelo
pop negro norte-americano, mas
não negava a raça. Carioca, preencheu seu soul americanófilo com
doses fartas de saber do sertão
-pensou em mangue beat? Pois é.
Seu disco de estréia se abria com
"Coroné Antônio Bento", forrozão de João do Vale e Luiz Wanderley, e seguia com "Padre Cícero", antológico soul messiânico
em homenagem ao mesmo.
As fusões regionalistas se mantiveram nos discos seguintes, em "A
Festa do Santo Reis", "Salve Nossa
Senhora" (71), "Canário do Reino" (72), todas a fuçar formalmente as entranhas do Brasil.
Ao mesmo tempo, Tim começava a cantar em inglês -havia sido
lançado, no mesmo 70, por Elis
Regina, no dueto (duelo?) bilíngue
de "These Are the Songs", em disco da cantora.
Fez "I Don't Care", "I Don't
Know What to Do with Myself"
(71), "My Little Girl", "Where Is
My Other Half" (72), "Over
Again", "Do Your Thing, Behave
Yourself" (73).
Os clássicos (muitos dos quais
redescobertos na onda "W/Brasil"
aberta por Ben Jor e Marisa Monte
nos 90) se amontoavam: "Não
Quero Dinheiro (Só Quero
Amar)", "Você" (71), "Idade", "O
Que Me Importa" (72), "Réu Confesso", "O Balanço", "Gostava
Tanto de Você", "Música no Ar"
(73)... O conjunto dos quatro primeiros LPs demonstra-se, até hoje, absolutamente irretocável
Aí veio a primeira reviravolta.
Tim tornou-se membro da organização religiosa Racional Superior,
rebatizando-se Tim Maia Racional
e cantando músicas com títulos
como "Imunização Racional",
"Energia Racional", "Leia o Livro
"Universo em Desencanto' ",
"Contato com o Mundo Racional", "Rational Culture", "Guiné
Bissau, Moçambique e Angola Racional".
O fanatismo temporário resultou nos dois volumes de "Tim
Maia Racional" (de 74 e 75), seriíssimos candidatos aos mais avassaladores discos de toda sua obra.
Proselitismo alucinado à parte,
são (especialmente o volume 1)
aulas poderosas de soul e funk, como nunca antes o Brasil havia presenciado. Mas, despido da capa
"racional", ele nunca mais permitiu que os dois álbuns fossem reeditados.
Emergiu dessa fase um outro
Tim Maia, aquele que seria modelo ao nascente movimento Black
Rio, mais inclinado ao funk, ao
som da Filadélfia e, em última instância, à discothèque de multidão.
Vieram "Pense Menos", "Feito
para Dançar" (77), "Boogie Esperto" (79), "Acenda o Farol" , "Sossego", "A Fim de Voltar" (78, do
álbum explicitamente denominado "Tim Maia Disco Club")
-eram os "dancin' days", e Tim
não fez vista grossa.
Uma última fase de peso ainda
pode ser reconhecida nos primeiros anos 80, pós-discoteca, quando se reaproximou do funk carioca que tinha no colega Hyldon sua
figura mais expressiva.
Em 82, reconduziu às paradas
"Na Rua, na Chuva, na Fazenda
(Casinha de Sapé)", sucesso de 75
de Hyldon.
Por essa época houve "Sol Brilhante" (surrupiada marotamente
de "Genius of Love", do Tom Tom
Club), "Ar Puro", "Do Leme ao
Pontal (Tomo Guaraná, Suco de
Caju, Goiabada para Sobremesa)"
(82), "O Descobridor dos Sete Mares" (83), quase todas hits até hoje.
Aí a nódoa dos anos 80 começou
a pesar. A dupla Robson Jorge &
Lincoln Olivetti, egressa dos domínios de Tim, tornou-se bode expiatório de um dos estigmas da década -o da pasteurização. Tim,
com eles, tornou-se emblema de
pasteurização.
Mas Tim foi mais fundo ainda na
diluição. Fez de Michael Sullivan e
Paulo Massadas, também velhos
conhecidos, os compositores de
alguns de seus principais hits ao
longo da década -"Me Dê Motivo" (83), "Leva" (85).
Tudo se tornou muito padronizado, açucarado -um baladeiro
em sentido abregalhado dava lugar ao dono da voz, do soul e do
funk tropicais. A década parecia
perdida -mas não só para ele.
Sentindo o bombardeio das acusações de que houvesse virado
brega, Tim pareceu querer voltar à
sofisticação nos 90.
Passou a regravar bossa nova,
muita bossa nova (até lançou CD
em parceria com os históricos Os
Cariocas, em 96), seus próprios
clássicos, standards do soul norte-americano (em "What a Wonderful World", também de 96, seu
único disco quase brilhante nos
90).
Aí já havia se dissociado em definitivo do poder industrial das gravadoras, e na prática isso redundou em indigência de produção
(ou, quando não, em arranjos ainda pasteurizados), a mantê-lo patinando num mesmo e vicioso círculo.
No final, ele parecia mesmo desbaratinado. Transformou seu selo
Vitória Régia em linha de produção em série, desovando dois, três,
quatro discos a cada ano, num
acesso de hiperprodutividade algo
premonitório. Desordenado, parecia esquecer o próprio repertório, repetindo canções em discos
sucessivos.
A voz -um de seus principais
atributos, desnecessário reforçar- já dava sinais de definhar
(embora "Só Você", o seu penúltimo CD, evidenciasse um giro de
recomposição, incluindo até alguns funks), preço que ele pagava
conscientemente para poder cometer os excessos que queria cometer.
É outra história. Comoventemente rebelde contra tudo que
considerasse corrupto ou ilegítimo, Tim não conseguiu nos últimos anos fazer sua música se valer
de tal qualidade de caráter.
Apesar de ter lançado sozinho a
dupla "Tim Maia Racional", teve
toda a fatia bem-cuidada, antológica mesmo de sua obra editada
dentro de grandes gravadoras.
Era muito louco para conseguir
ser genial por conta própria, e essa
era sua grande contradição.
O legado, seja como for, é inestimável, tanto em termos musicais
como de atitude (procure um outro colega que nos últimos anos tenha criticado seus colegas de profissão com seriedade e sem papas
na língua; não encontrará). Seja
por uns ou por outros, não há novos "tins" por aí, pelo menos por
ora. E isso é uma tragédia.
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