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TIM MAIA
Artista estava a anos-luz de seu folclore
SÉRGIO MARTINS
especial para a Folha
Ele era canário do reino, cantava
em qualquer lugar - e como cantava. O artista Tim Maia está a
anos-luz de distância daquele sujeito folclórico, que vociferava
contra o jabaculê das rádios, faltava a shows e apresentações de TV
e, quando comparecia, brigava
com o operador de som.
Vocalista excepcional, Tim inventou a soul music e o funk tipicamente brasileiros e cavou no
grito a sua escalação no time dos
grandes astros da MPB das últimas
três décadas.
Os quatro álbuns que o cantor
gravou pela PolyGram nos anos 70
-e que hoje estão fora de catálogo
em CD por causa de uma briga dele com a gravadora- são básicos
para se entender a importância do
artista.
Neles, Tim cruzou de maneira
original o funk e o soul com a linguagem brasileira ("Coroné Antônio Bento", "A Festa do Santo
Reis"), mostrou que as canções
clássicas nem sempre são as que
possuem as letras mais complicadas ("Você", "Primavera") e ensinou aos colegas de trabalho como
se canta: para fora, com os plenos
pulmões -uma lição que não foi
de todo absorvida, já que um de
seus jargões mais frequentes era
"brasileiro não sabe cantar".
Tim nasceu Sebastião Rodrigues
Maia em 28 de setembro de 1942.
Décimo-oitavo de uma família
de 19 irmãos, ele arrumou seu primeiro emprego ainda na infância.
Entregava marmitas de comida
que sua mãe, dona Maria Imaculada Maia, fazia. Foi assim que ele
conheceu o amigo Erasmo Carlos,
na época um dos fregueses de dona Imaculada.
Aos 15 anos, em 1957, Tim partiu
para a sua primeira experiência
musical: montou o grupo The
Sputiniks, que trazia Roberto Carlos nos backing vocals. "Seríamos
os Beatles brasileiros", recorda
Tim.
Os Sputiniks não conquistaram
o espaço e o cantor resolveu desbravar os Estados Unidos. Desembarcou em Nova York no ano de
1959 com 12 dólares no bolso e
uma história falsa, dizendo que
era estudante.
Na cidade, adotou o nome de
Jimmy, aprendeu inglês perfeito e
virou vocalista do grupo The
Ideals -com quem gravou um disco, em 1964. No mesmo ano, foi
pego com um cigarro de maconha.
Conclusão: seis meses de detenção
e deportação para o Brasil.
A volta para casa foi dolorosa.
Enquanto seus amigos da época
- Erasmo e Roberto, Jorge Ben
Jor- faziam sucesso, ele
teve de recomeçar
do zero.
Trabalhou como
guia turístico, cantou no grupo Os
Dominós e foi preso novamente,
dessa vez por furto. "Fui roubar
umas cadeiras que estavam dando
sopa e dancei", conta. Quando
saiu, tentou em vão reatar a amizade com os camaradas dos Sputiniks. "Fui bater à porta do Roberto
Carlos e só ganhei uma bota."
O calvário terminou apenas em
1970, quando ele lançou seu disco
de estréia pela PolyGram. Puxado
pelo hit "Primavera", o álbum ficou 24 semanas em primeiro lugar
e vendeu mais de 200 mil cópias
-um recorde para a época. Vieram outros discos bem-sucedidos,
até que Tim resolveu entrar numa
seita mística, chamada Universo
em Desencanto.
"Eu tomava muito ácido, queria
ir para o Tibete", justificou anos
mais tarde. Tim meditava num sítio localizado em Nova Iguaçu
(zona norte do Rio), mas não deixou de lado a parte musical.
Gravou dois discos e quatro
compactos em nome da seita, contendo canções louvando a natureza e um soul lisérgico de fazer inveja a qualquer George Clinton da
vida.
O desencanto com a religião foi
rápido -"quando cheguei lá, vi
que o negócio era umbanda, candomblé, baixo espiritismo"- e Tim
voltou a oferecer o que tinha de
melhor: canções pop da melhor
qualidade. Foi assim com "Tim
Maia Disco Club", disco que ele
gravou pela Warner em 1979 -e
que tinha sucessos do quilate de
"Sossego", "Acenda o Farol" e "A
Fim de Voltar". Ele era genial mesmo em seu período mais escasso
de criatividade. Protagonizou um
histórico dueto com Sandra de Sá
("Vale Tudo", um funk furioso,
hoje reduzido a mero jingle de loteria) e dignificou as babas radiofônicas de Michael Sullivan e Paulo Massadas ("Me Dê Motivo",
"Um Dia de Domingo" -esta
cantada ao lado de Gal Costa).
As décadas de 80 e 90, porém, foram injustas com o talento do cantor. O Tim desbravador de ritmos
e canário do reino deu lugar ao artista folclórico, que faltava a shows
e entrava e saía de gravadoras com
a mesma velocidade que fazia um
lanchinho.
Em 1993, foi proibido de cantar
na TV Globo depois de dar cano
no "Domingão do Faustão".
Tim ainda deixou para a posteridade alguns dos melhores ditados
do pop nacional.
Número um: "O Brasil é o país
do jabaculê."
Número dois: "Eu não fumo,
não cheiro, não bebo. Só minto
um pouquinho" (essa, frequentemente dita com um cigarro de maconha em uma das mãos).
Número três: "Obrigado. Com
esse dinheiro vou comprar um
aparelho da Sony" (ao receber o
Prêmio Sharp).
A eterna briga com as gravadoras foi resolvida com a criação do
selo Vitória Régia -"o único que
paga aos domingos, depois das
21h."
Por ele, o cantor gravou clássicos
da bossa nova -que ele dizia serem "para sacanear o João Gilberto". E como um James Brown caboclo, Tim se tornou o maior trabalhador do showbiz brasileiro.
Só no ano passado foram quatro
discos, em que se destacam uma
parceria com o grupo Os Cariocas
e clássicos da soul music revisitados -como "Wonderful
World", de Sam Cooke, e
"On Broadway", dos
Drifters.
Apelidado de síndico
pelo amigo Jorge Ben Jor,
ele pensou em se candidatar a uma vaga no Senado. "Vou fundar o
PLG. Partido da Liberação Geral." Que belo político ele seria!
Tim Maia morre e deixa os filhos José Carlos,
Telmo e Márcia Leonardo.
A sua maior herança, porém, fica por conta da dezena de artistas
que gravaram -e gravam- Tim
Maia.
Dos Paralamas (que resgataram
"Você", em 1986), Marisa Monte
(que cantava "Não Quero Dinheiro" na turnê "Mais", em 1991 -e
que volta e meia recebia telefonemas de agradecimento do cantor
em plena madrugada) a Lulu Santos, que fez sucesso ao regravar
"Descobridor dos Sete Mares" para um recente comercial de chinelo. E até mesmo o sobrinho Ed
Motta, um desafeto recente, mas
que teve em Tim o melhor professor de música que poderia conceber.
Sérgio Martins é editor da revista "Showbizz"
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