São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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"O PRISIONEIRO DA GRADE DE FERRO"

Produção sobre a vida no Carandiru, extinto em 2002, começou como curso de vídeo

Documentário traz memórias do cárcere

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Curso de Vídeo." Isso e apenas isso era o que informava o anúncio feito no presídio no Carandiru, hoje extinto, onde viviam 7.000 detentos em 2001. Cem homens se matricularam, nos primeiros 60 minutos de inscrição.
Nenhum dos futuros alunos sabia que as aulas seriam oferecidas pelo cineasta Paulo Sacramento e que o plano final do diretor era produzir um documentário -"O Prisioneiro da Grade de Ferro", que estréia hoje no Rio e em São Paulo- sobre a rotina na maior prisão da América Latina.
Sacramento diz que não revelou a intenção desde o início porque não tinha "absoluta convicção" de que conseguiria realizar o filme. "E, na prisão, você deve cumprir o que promete", afirma.
Faltavam ao projeto do longa a garantia de recursos financeiros e a conquista da confiança dos presos e da administração penitenciária.

Escolta
O curso foi realizado em janeiro de 2001, proporcionando aos alunos alguma prática no manejo de câmeras digitais e noções de técnica cinematográfica.
Terminadas as aulas, Sacramento e sua equipe continuaram freqüentando o Carandiru (e gravando imagens) durante mais seis meses. "Quando percebemos, estávamos há tempos andando por lá sem escolta", diz o diretor.
A convivência no Carandiru foi pontuada por aprendizados mútuos, desde o contato inicial. A avalanche de inscrições é fruto "da demanda pelo quer que seja de atividade dentro da cadeia", diz Sacramento. "Poderia ser um curso de marchetaria que aconteceria o mesmo."
Lição número dois aprendida pelo diretor: "A informação não chegava aos pavilhões 8 e 9". Entre os cem inscritos ao curso, não havia nenhum morador desses dois pavilhões.
Para Sacramento, era indispensável ter entre os alunos (e futuros co-autores de seu documentário) representantes de todas as áreas do presídio e sujeitos de trajetórias diversas na carceragem -"Gente que acabou de ingressar e que estava lá há tempos; gente com passagens por outras unidades e com histórico de retornos ao Carandiru; gente jovem e gente velha".
Por esses critérios, foram selecionados os 20 participantes, alguns requisitados afora os inscritos, em expedições do cineasta por todo o complexo Carandiru.

Debate
Parte das cenas de "O Prisioneiro da Grade de Ferro" tem um detento por trás da câmera. Sacramento preferiu não explicitar no filme a autoria das imagens, exceto na passagem "A Noite de um Detento". A dúvida do espectador sobre quem está no comando da câmera objetiva ressaltar o modo coletivo de produção do documentário. As gravações eram sempre objeto de discussão, decidindo-se pelo debate que aspectos da prisão deveriam ser filmados.
Os detentos não participaram da montagem, que reduziu a 2h03 as quase 170 horas de material gravado. "Se todos fossem participar, não seria uma montagem, mas um assembleísmo. Estaríamos lá até hoje, montando ou discutindo o filme", diz Sacramento.
O diretor deve depositar na Cinemateca Brasileira o material bruto de "O Prisioneiro da Grade de Ferro" e deixá-lo disponível para que outro cineasta monte um novo documentário com as mesmas fitas gravadas. "O que eu tinha para dizer está dito no meu filme. Não tenho vontade de retrabalhar esse material", afirma.


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