São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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TEATRO

Primeira peça de José Vicente se mantém atual ao tocar em tabus políticos e sexuais e é dirigida por Marcelo Drummond

Atores do Oficina montam "O Assalto"

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um bancário e um faxineiro encontram-se casualmente após o expediente da agência. Numa sala exígua, entabulam diálogo sem máscaras sobre desejos, ideologias, solidões.
Trinta e cinco anos atrás, quando "O Assalto", sua primeira peça, estreou no teatro Ipanema, no Rio, com a trinca Rubens Corrêa-Ivan de Albuquerque-Fauzi Arap, o dramaturgo mineiro José Vicente já escancarava as conseqüências da devoção cega a um deus-mercado que a tudo rege nos dias que correm.
A nova montagem de "O Assalto", que ganha temporada a partir de hoje no teatro Oficina, produção paralela de atores do grupo, com direção de Marcelo Drummond, reata certo fôlego da escrita teatral dos últimos anos com uma "tradição", um espelhamento que está lá no final dos anos 1960 e no decênio 1970.
Curiosamente, foi em 1969 que debutaram para o teatro, além de José Vicente, autores como Antônio Bivar, Consuelo de Castro e Leilah Assumpção.
"Minha primeira peça é uma colocação existencial e política do problema da esquerda, que na época assaltava bancos para fazer a revolução", afirma Vicente, 58.
"O Assalto", porém, é plena em subtextos, um modo de contornar a censura, e é aí que sua atualidade salta aos olhos. Marcelo Drummond, que leu outros textos de Vicente, como "Ensaio Selvagem" e "Santidade", sempre dos anos 70, vê paralelos com a obra do francês Jean Genet (1910-86), de "O Balcão".
"São muito parecidos num certo tratamento religioso, cristão e ritual", diz Drummond, 41.
O ator Haroldo Costa Ferrari, no papel do solitário Vitor, o bancário "à beira da loucura, da loucura que leva ao hospício", na rubrica do autor, diz que a peça toca em tabus sexuais (a paixão homossexual) e políticos (a relação opressor/oprimido).
"Mas a solidão é a ferida social que mais impressiona, pois leva ao desespero. Hoje, as pessoas ficam trancadas em casa, têm o mundo na tela do computador, mas não conseguem dar bom-dia ao vizinho. Também aí o Zé Vicente profetizou", diz Ferrari, 29.
O personagem Faxineiro, "rude, sem cultura, mas não vulgar" e que "possui os sinais espontâneos da presença erótica da vida", conforme a rubrica, trabalha para sustentar mulher e filhos e ganha um extra como garoto de programa. Como michê e varredor, conhece bem os subterrâneos da sociedade. "Ele percebe o massacre social e expõe as contradições", diz o ator Fransérgio Araújo, 30.
Ao cabo, consumado o bote amoroso, bancário e faxineiro invertem seus figurinos, o paletó e gravata versus o macacão cinza, autodevoradores que são de corpos, idéias e papéis sociais.
Em sua terceira direção, o ator Marcelo Drummond monta "O Assalto" no mezanino do teatro Oficina, no qual é braço direito (e esquerdo) de José Celso Martinez Corrêa desde a reabertura do espaço, com "Ham-Let" (1993).
A parte administrativa do teatro vira cenário para o escritório do banco. Cerca de 60 espectadores são como que cúmplices desse espetáculo que se quer intimista.
"Sinto-me realizado em ver jovens artistas montando a peça que escrevi quando jovem. Parece que foi ontem", diz Vicente.


O ASSALTO. Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, SP, tel. 0/xx/11/3106-2818). Quando: estréia hoje; sex. e sáb., à meia-noite; dom., às 20h. Quanto: R$ 20.


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