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TEATRO
Primeira peça de José Vicente se mantém atual ao tocar em tabus políticos e sexuais e é dirigida por Marcelo Drummond
Atores do Oficina montam "O Assalto"
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um bancário e um faxineiro encontram-se casualmente após o
expediente da agência. Numa sala
exígua, entabulam diálogo sem
máscaras sobre desejos, ideologias, solidões.
Trinta e cinco anos atrás, quando "O Assalto", sua primeira peça, estreou no teatro Ipanema, no
Rio, com a trinca Rubens Corrêa-Ivan de Albuquerque-Fauzi Arap,
o dramaturgo mineiro José Vicente já escancarava as conseqüências da devoção cega a um
deus-mercado que a tudo rege
nos dias que correm.
A nova montagem de "O Assalto", que ganha temporada a partir
de hoje no teatro Oficina, produção paralela de atores do grupo,
com direção de Marcelo Drummond, reata certo fôlego da escrita teatral dos últimos anos com
uma "tradição", um espelhamento que está lá no final dos anos
1960 e no decênio 1970.
Curiosamente, foi em 1969 que
debutaram para o teatro, além de
José Vicente, autores como Antônio Bivar, Consuelo de Castro e
Leilah Assumpção.
"Minha primeira peça é uma
colocação existencial e política do
problema da esquerda, que na
época assaltava bancos para fazer
a revolução", afirma Vicente, 58.
"O Assalto", porém, é plena em
subtextos, um modo de contornar a censura, e é aí que sua atualidade salta aos olhos. Marcelo
Drummond, que leu outros textos de Vicente, como "Ensaio Selvagem" e "Santidade", sempre
dos anos 70, vê paralelos com a
obra do francês Jean Genet (1910-86), de "O Balcão".
"São muito parecidos num certo tratamento religioso, cristão e
ritual", diz Drummond, 41.
O ator Haroldo Costa Ferrari,
no papel do solitário Vitor, o bancário "à beira da loucura, da loucura que leva ao hospício", na rubrica do autor, diz que a peça toca
em tabus sexuais (a paixão homossexual) e políticos (a relação
opressor/oprimido).
"Mas a solidão é a ferida social
que mais impressiona, pois leva
ao desespero. Hoje, as pessoas ficam trancadas em casa, têm o
mundo na tela do computador,
mas não conseguem dar bom-dia
ao vizinho. Também aí o Zé Vicente profetizou", diz Ferrari, 29.
O personagem Faxineiro, "rude,
sem cultura, mas não vulgar" e
que "possui os sinais espontâneos
da presença erótica da vida", conforme a rubrica, trabalha para
sustentar mulher e filhos e ganha
um extra como garoto de programa. Como michê e varredor, conhece bem os subterrâneos da sociedade. "Ele percebe o massacre
social e expõe as contradições",
diz o ator Fransérgio Araújo, 30.
Ao cabo, consumado o bote
amoroso, bancário e faxineiro invertem seus figurinos, o paletó e
gravata versus o macacão cinza,
autodevoradores que são de corpos, idéias e papéis sociais.
Em sua terceira direção, o ator
Marcelo Drummond monta "O
Assalto" no mezanino do teatro
Oficina, no qual é braço direito (e
esquerdo) de José Celso Martinez
Corrêa desde a reabertura do espaço, com "Ham-Let" (1993).
A parte administrativa do teatro
vira cenário para o escritório do
banco. Cerca de 60 espectadores
são como que cúmplices desse espetáculo que se quer intimista.
"Sinto-me realizado em ver jovens artistas montando a peça
que escrevi quando jovem. Parece
que foi ontem", diz Vicente.
O ASSALTO. Onde: teatro Oficina (r.
Jaceguai, 520, SP, tel. 0/xx/11/3106-2818). Quando: estréia hoje; sex. e sáb., à
meia-noite; dom., às 20h. Quanto: R$ 20.
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