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Roubaud metrifica ritmo das palavras em seus versos
COLUNISTA DA FOLHA
Leia a seguir a continuação da entrevista com Jacques Roubaud.
(MANUEL DA COSTA PINTO)
Folha - Qual o sentido do verso "o
registro rítmico da palavra me horripila" num livro que a todo momento nos faz ver a estrutura formal sob sua "via negativa", sua
"teologia da inexistência" e sua
"afasia"?
Jacques Roubaud - Os poemas
desse livro trazem os vestígios de
um esforço para vencer o silêncio
imposto pela morte. A palavra rítmica, inscrita na poesia e no verso, era para mim um sinal de vida.
Diante da morte, porém, fui atingido por uma incapacidade de falar de poesia, por uma afasia. Dei
continuidade à meditação sobre a
"via negativa", iniciada com "Algo: Preto" (1986), num outro livro
de poesia: "La Pluralité des Mondes de Lewis" (a pluralidade dos
mundos de Lewis), publicado cinco anos mais tarde, em 1991.
Folha - Qual o papel da matemática em seus livros e, por outro lado, qual o papel da experiência numa poesia considerada "cerebral"?
Roubaud - A matemática intervém sempre pela intermediação
do número. Em cada caso, um sistema de números é escolhido previamente a qualquer composição
e ordena sua realização. Mas não
creio que minha poesia seja cerebral. Acho que toda composição
com intenção artística recorre à
memória e à experiência pessoal.
No caso da poesia, a intervenção
da memória pessoal se faz por
meio da língua e, no meu caso,
além disso, por meio de uma escolha de restrições.
Folha - Pode-se identificar neste
livro uma hesitação entre poesia e
prosa que corresponde a seu antigo projeto de fazer confluir a "forma poesia", a "forma prosa", a matemática e os "romances formais"?
Roubaud - Não acho que exista a
menor hesitação. Para mim, trata-se nesse livro de poesia e unicamente de poesia. Claro, certos
versos -sendo que há nove versos por poema- têm uma aparência superficial de prosa, mas
todos eles, em função das restrições que os ordenam, pertencem
ao "registro rítmico da palavra" e
da escrita -enfim, à poesia. É esse um dos aspectos da luta entre a
poesia e a prosa. Na era contemporânea, a fronteira entre os dois
registros está em movimento permanente. Está claro que na minha
língua, o francês, a prosa tenta eliminar a poesia. E teve sucesso
quase total na mídia, nas editoras,
nas livrarias e entre os leitores. A
prosa se esforça em ocupar, sozinha, o campo das artes verbais.
Mas a poesia resiste. Por exemplo,
no Oulipo: as composições oulipianas estão mais próximas da
poesia do que da prosa. O que eu
chamo de "romances formais" faz
parte dessa resistência da poesia
ao imperialismo da prosa. E a matemática desempenha aí um papel
essencial.
Folha - Sua literatura faz vários
empréstimos dos trovadores, dos
relatos medievais, da renga japonesa etc. Qual a importância da tradução e da pesquisa das formas
tradicionais no seu trabalho?
Roubaud - A poesia dos trovadores, a poesia japonesa medieval e
outras tradições poéticas têm ao
menos a mesma importância para mim que a poesia composta na
língua francesa, que não é minha
principal língua de inspiração,
uma vez que sou de origem provençal. Como conseqüência, a
operação de tradução é fundamental, pois permite tornar contemporâneas essas tradições, segundo a palavra de ordem de
Pound. Toda tradução de um
poema, mesmo que seja antigo e
venha de uma tradição muito distante, deve ser, antes de tudo, um
poema de hoje. Essa maneira de
ver a tradução e as antigas formas
poéticas é algo que compartilhei
com Haroldo de Campos [1929-2003] desde o momento em que
nos conhecemos, em 1970.
Folha - A idéia de Queneau segundo a qual "o clássico que escreve sua tragédia observando certo
número de regras que conhece é
mais livre do que o poeta que escreve o que lhe passa pela cabeça e
é escravo de outras regras que ignora" ainda é válida? Podemos ver
aí um sentido ético: a regra formal
consciente como avesso da alienação; a dessubjetivação como contraveneno para ilusões do sujeito?
Roubaud - A fórmula de Queneau me serve perfeitamente. A
concepção oulipiana da literatura
-e especialmente da poesia- é
uma maneira de lutar contra o
abandono preguiçoso às formas
degeneradas da tradição numa
época em que as regras e as formas tradicionais foram mais ou
menos abandonadas. Trata-se, de
fato, de um contraveneno para as
ilusões dogmáticas, particularmente aquelas de "liberdade",
"originalidade" e "subjetividade".
Algo: Preto
Autor: Jacques Roubaud
Tradução: Inês Oseki-Dépré
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 25 (152 págs.)
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