São Paulo, sábado, 16 de abril de 2005

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Roubaud metrifica ritmo das palavras em seus versos

COLUNISTA DA FOLHA

Leia a seguir a continuação da entrevista com Jacques Roubaud.

(MANUEL DA COSTA PINTO)

 

Folha - Qual o sentido do verso "o registro rítmico da palavra me horripila" num livro que a todo momento nos faz ver a estrutura formal sob sua "via negativa", sua "teologia da inexistência" e sua "afasia"?
Jacques Roubaud -
Os poemas desse livro trazem os vestígios de um esforço para vencer o silêncio imposto pela morte. A palavra rítmica, inscrita na poesia e no verso, era para mim um sinal de vida. Diante da morte, porém, fui atingido por uma incapacidade de falar de poesia, por uma afasia. Dei continuidade à meditação sobre a "via negativa", iniciada com "Algo: Preto" (1986), num outro livro de poesia: "La Pluralité des Mondes de Lewis" (a pluralidade dos mundos de Lewis), publicado cinco anos mais tarde, em 1991.

Folha - Qual o papel da matemática em seus livros e, por outro lado, qual o papel da experiência numa poesia considerada "cerebral"?
Roubaud -
A matemática intervém sempre pela intermediação do número. Em cada caso, um sistema de números é escolhido previamente a qualquer composição e ordena sua realização. Mas não creio que minha poesia seja cerebral. Acho que toda composição com intenção artística recorre à memória e à experiência pessoal. No caso da poesia, a intervenção da memória pessoal se faz por meio da língua e, no meu caso, além disso, por meio de uma escolha de restrições.

Folha - Pode-se identificar neste livro uma hesitação entre poesia e prosa que corresponde a seu antigo projeto de fazer confluir a "forma poesia", a "forma prosa", a matemática e os "romances formais"?
Roubaud -
Não acho que exista a menor hesitação. Para mim, trata-se nesse livro de poesia e unicamente de poesia. Claro, certos versos -sendo que há nove versos por poema- têm uma aparência superficial de prosa, mas todos eles, em função das restrições que os ordenam, pertencem ao "registro rítmico da palavra" e da escrita -enfim, à poesia. É esse um dos aspectos da luta entre a poesia e a prosa. Na era contemporânea, a fronteira entre os dois registros está em movimento permanente. Está claro que na minha língua, o francês, a prosa tenta eliminar a poesia. E teve sucesso quase total na mídia, nas editoras, nas livrarias e entre os leitores. A prosa se esforça em ocupar, sozinha, o campo das artes verbais. Mas a poesia resiste. Por exemplo, no Oulipo: as composições oulipianas estão mais próximas da poesia do que da prosa. O que eu chamo de "romances formais" faz parte dessa resistência da poesia ao imperialismo da prosa. E a matemática desempenha aí um papel essencial.

Folha - Sua literatura faz vários empréstimos dos trovadores, dos relatos medievais, da renga japonesa etc. Qual a importância da tradução e da pesquisa das formas tradicionais no seu trabalho?
Roubaud -
A poesia dos trovadores, a poesia japonesa medieval e outras tradições poéticas têm ao menos a mesma importância para mim que a poesia composta na língua francesa, que não é minha principal língua de inspiração, uma vez que sou de origem provençal. Como conseqüência, a operação de tradução é fundamental, pois permite tornar contemporâneas essas tradições, segundo a palavra de ordem de Pound. Toda tradução de um poema, mesmo que seja antigo e venha de uma tradição muito distante, deve ser, antes de tudo, um poema de hoje. Essa maneira de ver a tradução e as antigas formas poéticas é algo que compartilhei com Haroldo de Campos [1929-2003] desde o momento em que nos conhecemos, em 1970.

Folha - A idéia de Queneau segundo a qual "o clássico que escreve sua tragédia observando certo número de regras que conhece é mais livre do que o poeta que escreve o que lhe passa pela cabeça e é escravo de outras regras que ignora" ainda é válida? Podemos ver aí um sentido ético: a regra formal consciente como avesso da alienação; a dessubjetivação como contraveneno para ilusões do sujeito?
Roubaud -
A fórmula de Queneau me serve perfeitamente. A concepção oulipiana da literatura -e especialmente da poesia- é uma maneira de lutar contra o abandono preguiçoso às formas degeneradas da tradição numa época em que as regras e as formas tradicionais foram mais ou menos abandonadas. Trata-se, de fato, de um contraveneno para as ilusões dogmáticas, particularmente aquelas de "liberdade", "originalidade" e "subjetividade".


Algo: Preto
Autor:
Jacques Roubaud
Tradução: Inês Oseki-Dépré
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 25 (152 págs.)


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