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LITERATURA
Um dos criadores do nouveau roman, escritor francês participa da Bienal carioca, que começa no próximo dia 12
Butor traz ao Rio o elogio da dor literária
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Michel Butor é um sadomasoquista. Com todo o respeito.
O autor francês gosta de sofrer
com o que lê e tem prazer que os
outros padeçam com seus textos.
"Se um texto não nos é difícil, ele
não nos dá oportunidade de crescer com esse embate. A dificuldade é necessária", diz o escritor.
Um dos principais convidados
da Bienal do Livro do Rio, que começa no próximo dia 12, o escritor não é de se contentar com
martírios ficcionais particulares.
Aos 79 anos, tem no currículo
não apenas a criação de uma ou
de algumas obras difíceis. Foi um
dos artífices de toda uma corrente
literária agrilhoada em sofrimentos literários, o nouveau roman.
O "novo romance", criado por
ele e por autores como Alain Robbe-Grillet, Nathalie Sarraute e
Claude Simon (Nobel de 1985),
propunha uma espécie de "anti-romance" -rejeitava toda a sintaxe narrativa tradicional.
Lá se vai meio século. E Butor
não só não faz mais "nouveau roman" como não escreve romance
nenhum -e quase não os lê. Autor de mais de 60 livros (nenhum
hoje em catálogo no Brasil), vem
se dedicando só aos poemas e ensaios -"de preferência difíceis".
Na conversa a seguir, Butor fala
sobre seu elogio do sofrimento literário, comenta a literatura contemporânea e conta que quer publicar até 2019.
Folha - Em uma entrevista que o
sr. deu há mais de 30 anos para a
hoje crítica Leyla Perrone Moisés, o
sr. disse que sempre sofria ao escrever. O sr. também já disse que
sofre como leitor. Por que o apreço
pela dor literária?
Michel Butor - A leitura é um
prazer que deve ser difícil. Quase
todos os prazeres demandam trabalho. Se um texto não nos é difícil, ele não nos dá oportunidade
de crescer com esse embate. A dificuldade é necessária. Se não é difícil não é um prazer tão grande. É
como nos esportes. Algo que não
é um desafio não é interessante.
Folha - O sr. é considerado um autor difícil também. O sr. nunca se
preocupou em ser mais acessível?
Butor - Acho uma pena que seja
considerado um autor tão difícil.
De uma forma, porém, sou orgulhoso deste meu estigma. Como
dizia, admiro escritores difíceis.
Mas algo que tem de ser dito é que
a realidade hoje é extremamente
difícil. É muito custoso saber onde você está, em que época está,
quem somos e assim por diante.
Assim temos de assumir essas dificuldades na literatura.
Folha - Na mesma entrevista de
1967, o sr. falava que a literatura
era uma forma poderosa de conhecer nossa realidade. O sr. acha que
não temos uma literatura poderosa hoje por termos uma realidade
que vai se tornando pior paulatinamente ou temos letras fortes e isso
não está ligado à realidade?
Butor - A literatura sempre tem a
ver com a realidade. Quando a
realidade é mais difícil, geralmente é o momento de fazer a grande
literatura. São momentos em que
a literatura é mais necessária porque é preciso mudar a realidade.
Para mudar a realidade, é preciso
mudar o modo como a vemos.
Tempos difíceis favorecem a
boa literatura, mas tempos difíceis também dificultam a leitura.
Se é mais difícil ler, temos de ler, e
fazer, a literatura melhor. Se as
circunstâncias levam a uma literatura difícil, então, bem, que assumamos essa dificuldade.
Folha - E temos hoje uma literatura forte sendo produzida?
Butor - Tenho certeza de que
existem muitos escritores fazendo
coisas interessantes hoje. O difícil
é conhecê-los. Como especialista
em literatura, eu deveria saber
quem são, mas eu sei que não sei.
A culpa é do barulho da mídia.
Folha - E a literatura francesa, a
convidada da próxima Bienal do
Rio, merece ser celebrada hoje ou
perdeu todo o seu poderio?
Butor - A literatura francesa ainda é forte. Literatura não é coisa
de dias ou anos. O corpus de literatura francesa do século 20 é
magnífico. O do século 21 ainda
não sabemos como será. Talvez
vejamos no futuro que a literatura
francesa se perdeu. Precisamos de
tempo para isso. Alguns dos principais autores do século 19 só ficaram conhecidos no 20.
Folha - O sr. lê autores jovens?
Butor - Leio alguns deles. E tenho certeza de que estou perdendo os melhores. Sigo só algumas
regras. Procuro não ler os que
vendem muito e os que ganham
prêmios. Quase sempre são ruins.
Folha - Como o sr., que chegou a
se engajar na defesa da língua
francesa por meio do nouveau roman, na primeiras décadas pós-Segunda Guerra, avalia hoje a situação da língua francesa?
Butor - O poder do francês é claramente menor do que há cem
anos, quando era a língua da diplomacia. Há tempos o inglês tomou esse posto. Eu mesmo,
quando morei nos EUA, me perguntei se não deveria escrever em
inglês, para ser mais conhecido.
Mas achei que não daria certo.
Minha alma nasceu do lado de
dentro da língua francesa.
Folha - O nouveau roman já faz
parte, há tempos, das enciclopédias e dicionários. Como o sr. avalia
os textos disponíveis sobre o movimento que o sr. ajudou a criar?
Butor - Não costumo ler o que se
escreve sobre mim ou sobre o
nouveau roman. Se tenho de ler
algo sobre isso, às vezes me interesso, às vezes acho que não está
mal, às vezes vejo coisas completamente erradas. Espero que no
futuro trabalhem esse tema com
mais competência.
Folha - O sr. tem contato com alguém do nouveau roman?
Butor - Não. Com Alain Robbe-Grillet não falo de modo nenhum.
Não gosto dele. Nathalie Sarraute
morreu, assim como Robert Pinget. Claude Simon mora longe de
mim. Gosto dele, mas não tenho
tido ocasiões para encontrá-lo.
Folha - O sr. tem poucos livros no
Brasil. Dos muitos que fez qual gostaria de ver traduzido aqui?
Butor - Escrevi muitos livros
mesmo, talvez mais do que deveria, mas boa parte deles é muito
difícil de traduzir. Escrevo em um
francês muito francês, em parte
porque era professor de literatura
e, por isso, refletia muito sobre
minha própria língua. Como
acredito que tudo o que é mais interessante é difícil de ser traduzido, gostaria de ser mais traduzido.
Folha - O sr. lê os seus livros?
Butor - Só quando preciso.
Quando fazem novas edições, às
vezes me pedem para fazer revisões. Também leio algo quando
sou obrigado a falar, como professor de literatura que sou, sobre
meus próprios livros. Mas em geral prefiro escrever outros livros.
Folha - A página francesa do site
Amazon informa que o sr. tem um
livro chamado "Les Fantômes de
Laon" programado para ser editado em 2019. Isso está correto?
Butor - É um equívoco. A internet está lotada deles. 2019? Espero
que esteja vivo até lá e que esteja
publicando. Só não espero publicar o livro que mencionaste porque este eu já publiquei [risos].
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