São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV PAGA

"Brilho Eterno" retoma discussão sobre a memória

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nunca a memória foi um bem tão ameaçado quanto no cinema atual. São vários os filmes que tratam dela -já nem recordo quais-, e todos parecem receber em níveis diversos a influência de Alain Resnais, em particular de "O Ano Passado em Marienbad".
"Marienbad" não punha em questão a memória, antes criava um dispositivo semelhante ao da obsessão. Ali, a imagem é remetida ao inconsciente, que desconhece o tempo e produz um espaço particular, labiríntico, a ser percorrido pelos personagens.
Não é bem o que acontece em, por exemplo, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" (Telecine Cult, 22h). Ali, o amor entre Jim Carrey e Kate Winslet forma uma espécie de anel. O que o roteirista Charlie Kaufman e o diretor Michel Gondry criaram é uma máquina de repetição, e nesse sentido devem muito, talvez até além da conta, a Adolfo Bioy Casares e seu romance "A Invenção de Morel".
Em "Brilho Eterno", o tempo tende a desaparecer, como em "Morel", mas as experiências que nos transmitem essas obras são muito diversas. "Brilho Eterno" faz parte de um momento que já se definiu como "fim da história", e nele a abolição do tempo é como que uma finalidade em si.
Como escreveu Youssef Ishaghpour, o mundo de hoje é o da "imagem-comunicação-mercadoria" televisiva, que destrói o "presente porque o apaga regularmente". A memória torna-se uma entidade obsoleta, nessas circunstâncias. Mas a imagem também. Sujeita a um presente perpétuo, ela já não é o lugar onde a memória estabelece conexões. Ela começa e termina em si mesma. Como um anel. Como o anel do filme "Brilho Eterno".


Texto Anterior: Crítica: Um Brasil legal demais em "Central da Periferia"
Próximo Texto: Novelas da semana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.