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TV PAGA
"Brilho Eterno" retoma discussão sobre a memória
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Nunca a memória foi um bem
tão ameaçado quanto no cinema
atual. São vários os filmes que tratam dela -já nem recordo
quais-, e todos parecem receber
em níveis diversos a influência de
Alain Resnais, em particular de
"O Ano Passado em Marienbad".
"Marienbad" não punha em
questão a memória, antes criava
um dispositivo semelhante ao da
obsessão. Ali, a imagem é remetida ao inconsciente, que desconhece o tempo e produz um espaço particular, labiríntico, a ser
percorrido pelos personagens.
Não é bem o que acontece em,
por exemplo, "Brilho Eterno de
uma Mente sem Lembranças"
(Telecine Cult, 22h). Ali, o amor
entre Jim Carrey e Kate Winslet
forma uma espécie de anel. O que
o roteirista Charlie Kaufman e o
diretor Michel Gondry criaram é
uma máquina de repetição, e nesse sentido devem muito, talvez até
além da conta, a Adolfo Bioy Casares e seu romance "A Invenção
de Morel".
Em "Brilho Eterno", o tempo
tende a desaparecer, como em
"Morel", mas as experiências que
nos transmitem essas obras são
muito diversas. "Brilho Eterno"
faz parte de um momento que já
se definiu como "fim da história",
e nele a abolição do tempo é como
que uma finalidade em si.
Como escreveu Youssef Ishaghpour, o mundo de hoje é o da
"imagem-comunicação-mercadoria" televisiva, que destrói o
"presente porque o apaga regularmente". A memória torna-se
uma entidade obsoleta, nessas
circunstâncias. Mas a imagem
também. Sujeita a um presente
perpétuo, ela já não é o lugar onde
a memória estabelece conexões.
Ela começa e termina em si mesma. Como um anel. Como o anel
do filme "Brilho Eterno".
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