São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Greg Salibian/Folha Imagem
Depois de almoçar um prato de salada, padre Marcelo se concentra para gravar sua primeira cena do dia, que teve de ser refeita oito vezes


Erguei as mãos

"Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo." Em se tratando de um encontro com o padre Marcelo Rossi, nada mais normal que ele comece assim.

 

Na quarta-feira, a frase deu início a uma entrevista coletiva do padre, o precursor da aeróbica sacra no país. Ele iria falar a uma platéia de cerca de 20 jornalistas sobre seu novo filme, "Irmãos de Fé", de Moacyr Góes. É o segundo da carreira do padre -"Maria, Mãe do Filho de Deus" levou 2,4 milhões ao cinema em 2003.
 

Repórteres e fotógrafos ganhavam um terço que pode ser usado como pulseira. Em segundos ela já reluzia em todos os pulsos ali presentes.
 

Pergunta vai, resposta vem, acaba a coletiva. O padre posa para fotos com seu sorriso-padrão e uma fila de jornalistas, a maior parte de veículos religiosos ou de revistas de celebridades, se forma à sua volta. Não, eles não queriam fazer mais perguntas. Estavam lá para pedir bênçãos. Com dois santinhos na mão, santa Rita de Cássia e são Judas Tadeu, uma repórter que estava na entrevista pede: "Padre, abençoa eles para mim?".
 

Além de pedir a bênção, os profissionais da imprensa pedem autógrafos e tiram fotos com o padre. "Vocês têm ouvido meu programa na rádio?"
 

Depois da coletiva, num cenário no Pólo de Cinema e Vídeo de Jacarepaguá, no Rio, o padre tenta ir ao banheiro. Entra num dos toaletes, mas sai logo em seguida. "Esse não "tá" legal", diz, tampando o nariz. "Argh!" A saída é ir então ao banheiro do próprio camarim, onde revistas de fofoca e celebridades estão à sua espera numa mesa.
 

"Hoje eu me emocionei", ele diz. Ficou encantado ao ver aqueles jornalistas todos querendo ser abençoados. "É que o meio jornalístico é muito fechado. Quase chorei", diz ele, pouco antes de almoçar um prato de salada trazido por sua mãe, dona Vilma, 59.
 

Ela vai aonde o filho for. Uma de suas missões é não deixar que mulheres com pensamentos libidinosos se aproximem. "São umas meninas tão vazias...", ela diz. O pai do padre, seu Antonio, 63, também o acompanhava. O padre só come depois de passar um antibacteriano nas mãos.
 
A agenda do padre naquele dia previa a filmagem de quatro cenas. A primeira delas é um diálogo de quatro frases com Micael Borges, que no filme é Paulo, um interno da Febem que padre Marcelo vai converter. A cena é ensaiada quatro vezes. Padre Marcelo entra no quarto, senta na cama, levanta a sobrancelha. "Cadê a Bíblia que eu te dei? Sua irmã anda muito preocupada com você." Depois de repetir a fala e levantar a sobrancelha quatro vezes, é hora de gravar.
 

A cena começa com Paulo/ Micael na cama. O diretor Góes orienta o ator. "Coça a cabeça desse jeito que está bom, amor." Ele chama todo mundo assim- menos, claro, o padre, que logo entra em cena. E engasga. "Sua irmã anda muito prrecr...desculpa, diretor!" Tudo bem, é só refazer. Uma, duas, três, oito vezes, também por causa dos diferentes enquadramentos.
 
O cenário foi montado num galpão sem refrigeração, e o maquiador passa mais uma camada de pó no rosto do padre para que ele não brilhe com o suor.
 
Na segunda cena, padre Marcelo não falava. Apenas entrava no quarto, sentava ao lado de Micael, passava a mão em sua cabeça e saía. Aí foi fácil, e a cena nem precisou ser refeita.
 

No intervalo da filmagem, uma enfermeira, que fica sempre de plantão nos bastidores, tira a pressão do sacerdote: 13 por 9. "Um pouco acima do normal", ele diz, preocupado. Chama o diretor Góes num canto. Quer que a última cena, a da conversão do menino da Febem, seja transferida para outro dia. "Hoje estou meio devagar. Tem alguma coisa errada."
 

Já é noite. Dona Vilma, fora do estúdio, come esfihas do Habib's. O padre se prepara para entrar na van que o levará de volta ao hotel.
 

No dia seguinte, ele iria fazer esteira ao acordar. "Sempre peço para botarem uma no meu quarto." Em seguida, falaria em seu programa diário de rádio que, como o filme, é parte de sua declarada estratégia de catequizar o Brasil. Alguns jornalistas, pelo menos, ele já conseguiu.

@ - bergamo@folhasp.com.br

COM CLEO GUIMARÃES (REPORTAGEM) e ALVARO LEME


PADRE MARCELO

"Não sou santo"
O que se passa na cabeça de Padre Marcelo? O sacerdote, que há dois anos vem tomando remédio para frear a queda de cabelo ("meu médico disse que causa impotência, mas com esse problema eu não tenho que me preocupar"), falou à coluna.
 

Folha - Uma recente pesquisa feita pela Conferência Nacional dos Bispos (CNBB) mostrou que 41% dos padres já tiveram envolvimento com mulheres. O que o senhor acha disso?
Padre Marcelo -
Não é que esses 41% tiveram "caso" com alguém, e sim que chegaram a vacilar. Eles podem ter achado uma mulher bonita, mas nem todos se relacionaram. Mas eu faço parte dos outros 59%.

Folha - O senhor é celibatário desde quando?
Padre Marcelo -
Desde que me ordenei, há 14 anos. Antes eu levava uma vida normal, era professor de ginástica, tive uma namorada...

Folha - Só uma?
Padre Marcelo -
Não, que é isso! Várias. Eu saía direto com os meus amigos, eles falavam: "Olha aquela ali, ela gostou de você". Aí eu ia lá. Geralmente elas é que chegavam em mim. Eu era considerado um cara bonito, malhado.

Folha - Nessa época o senhor chegou a experimentar alguma droga?
Padre Marcelo -
Nunca, graças a Deus (faz o sinal da cruz). Uma vez peguei carona com três amigos da faculdade e um deles acendeu um cigarro de maconha. Me deu um desespero, porque eu estava ali, era um fumante passivo. Me senti mal. Contei tudo para a minha mãe depois.

Folha - O senhor não tem curiosidade, por exemplo, de dar uma olhadinha na "Playboy" da Juliana Paes?
Padre Marcelo -
Não sou santo, mas quero viver a santidade. Quando recebo cartas de amor -e olha que são muitas-, começo a ler e logo rasgo. Se estou assistindo TV e vejo uma cena de sexo, mudo de canal.

Folha - Qual a opinião do senhor sobre a teologia da libertação?
Padre Marcelo -
O discurso social dela abriu as portas para que os evangélicos avançassem. Eles têm um discurso pouco litúrgico e totalmente social. E quando a teologia se torna uma ideologia, é um perigo. O PT nasceu dessa Igreja.

Folha - O senhor é vaidoso?
Padre Marcelo -
Já fui. Hoje em dia, a única coisa que faço é tomar comprimidos de finasterida (substância que ajuda a reverter a queda dos cabelos). Meu médico disse que poderia causar impotência. "Ah, tudo bem, com esse problema não preciso me preocupar", eu disse a ele. Também acho importante que um sacerdote se vista bem. Na época da teologia da libertação, você ia a uma festa e era fácil reconhecer o padre: era sempre o mais mal vestido. Não gosto disso.

Folha - E o que o senhor acha do homossexualismo, dentro e fora da Igreja?
Padre Marcelo -
Não concordo, acho que não é coisa de Deus. Na Igreja, sei que pelo próprio celibato, pode ser que aconteça. Não deve ser normal, mas acaba acontecendo. Quando eu era seminarista, canheci vários efeminados. Se eu fosse o reitor, diria: "Olha, meu irmão, desculpa, mas isso aqui não é uma missão para você."


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