|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO BONASSI
Fome de Quem
Há sim uma greve de fome.
Não é um fenômeno político, espetáculo dramático ou "reality show" recente. Trata-se de um
programa antigo, com algo mais
ou menos como uns 500 e tantos
anos mal vividos entre exploração, predação e acordos passageiros. São cinco séculos e mais uns
anos de descobrimentos, desentendimentos e racionamentos que
eu vou te contar, capazes de deixar tontos os grevistas mais indignados entre os pelados esfomeados!
É preciso deixar claro que a greve de fome de que trato é uma
greve obscura e involuntária, promovida por uma minoria ordinária, voluntariosa e atrevida, contra essa maioria democrática e
emagrecida que a acata com uma
espécie de estoicismo, onanismo
ou masoquismo que dá o que
pensar sobre não pensar... Pode
ser porque numa greve de fome
há sempre certa atrapalhação do
pensamento, já que o estômago
em lamento não se enche com
promessas históricas...
"De ilusão também se vive", insistem em afirmar! Até certo ponto, é preciso determinar, já que os
sacos de feijão vazios seguem sendo levados pelos ventos da concentração de renda e da recessão,
seguidos de morte por inanição.
Enterram-se faces contra faces
encovadas em covas coletivas sem
jamais terem se reconhecido como ferrados iletrados!
O ideal é que estudassem mais,
pois o benefício da igualdade se
aprende é na escola. Problema é
que a escola é pouco freqüentada,
uma vez que as merendas foram
desviadas para os cavalos de raça
com os quais tais aprendizes haverão de ser caçados nas esquinas
em manifestações de solidariedade, numa gramática ou matemática cujo resultado se decora é na
porrada mesmo.
Deselegantes e deseducados,
não compreendem que se vestem,
vivem e comem mal, de menos ou
apenas porcamente, já que aceitam placidamente essa lavagem
como alimento e esses chiqueiros
como moradia.
O caso é que o dia a dia de sujeiras dessa elite de tratadores também não lhes fornece exemplos regeneradores... Enquanto esperam
por algo que não vem de graça,
por exemplo, entregam-se às desgraças gastronômicas desses sanduíches baratos e gordurosos, feitos com carnes anônimas desfiadas, sucos aguados e sonhos melados esmolados nas esquinas e
atropelados por motoboys terceirizados que teimam em levar e
trazer tudo para o mesmo lugar.
São burros de carga carentes
que não lêem livros decentes para
entenderem a própria estupidez,
sem computadores para calcularem sua pequenez ou mesmo paixão para se distraírem no fim do
mês, já que há carnês demais para pensarem desejos melhores que
dívidas.
Permanecem nessa dúvida, ignorantes e engarrafados, com a
maior porção dos seus quereres
esmagados em meio à gravidade
da situação cuja duração, ou manutenção, até parece obra da
eternidade!
Há vaidade naqueles que decidem não comer, pois para os outros obrigados a passar essa fome
fica a impressão de que escolhem
muito pouco... E até quando julgam ter escolhido o melhor que
têm... Bem, fica esse gosto amargo
da demora em se fazer acontecer
algo em que se acredite; o que vai
minando a paciência, para não
dizer a esperança, que anda mesmo meio anêmica e vagando à esmo, à propósito de tanta fome endêmica, consentida ou não.
É preciso ter consciência, mas
não demais, porque há também
uma greve de inteligência, já que
a eficiência é quem se diz responsável por essas coisas. Convém
lembrar que a eficiência é uma
ciência de acumulação. De forma
que uns têm mais é congestão, enquanto os outros só a "imaginação" para se consolar, ou satisfazer.
Quanto à imaginação, não
imaginam grande coisa, já que
todas as grandes coisas que imaginaram transformaram-se em
pesadelos, por mais que insistam
que na próxima eleição, quando
o inverno chegar ou depois que o
carnaval passar seja a sua vez, supondo que a bagunça passaria,
mas ficaria ao menos alguma alegria para tocar no rádio...
Acontece que os sambas das notícias, por incríveis que pareçam,
são lesivos, repetitivos ou simplesmente tristes, por mais que espanquemos os surdos, os cegos ou as
bichas para nos divertirmos com
os próprios sentimentos, preconceitos e sofrimentos.
Essas coisas, por mais obscenas
que sejam de se apontar, são morais, sim senhores, pois quando os
senhores fazem greve de fome,
querem é comer alguma coisa
proibida, reprimida ou pervertida mesmo.
Aliás, escravos não fazem greve!
Nem poderiam, já que estes capitães-do-mato se organizam é para crescer e gozar rápido, desconhecendo o fato de que há prazer
em dar na proporção do que se
pode receber.
Assim, essa greve de fome, que é
sim grave, contagiosa e agônica
tornou-se doença crônica, numa
mortandade estatística tão certa
que assombra até mesmo os sociólogos comunistas que erram
culpados em seus herdados apartamentos de cobertura!
Haja fartura! E polícia...
Texto Anterior: "Viva la muerte", isto é, a eutanásia Próximo Texto: Panorâmica - Cinema: Sessão Cineclube exibe "Meu Tio", de Tati Índice
|