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CARLOS HEITOR CONY
Pesquisas e opiniões
No julgamento de Cristo, o povo preferiu libertar o criminoso e condenar o inocente
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TEM GENTE que culpa as pesquisas eleitorais pela deformação do processo democrático. Elas são acusadas de influírem na opinião pública, em vez de serem
meras aferidoras da mesmíssima
opinião pública.
Um paradoxo, enfim, pois toda e
qualquer pesquisa começa inocentemente por verificar a quantas andam as possibilidades de um candidato, de um produto, de uma causa.
A partir da primeira apuração, a
mecânica se complica, pois cada resultado passa a influir no resultado
seguinte -daí a inconsistência moral, ideológica ou prática dos candidatos, coisas e causas, que passam a valer aquilo que os outros pensam
que valem.
Foi mais ou menos isso que serviu
de base a um dos axiomas do existencialismo muito em voga nos anos
que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial. Ninguém é nada e, sobretudo, ninguém é aquilo que julga que
é, mas sim, aquilo que os outros julgam que ele é. Somos assim um mosaico das opiniões existentes sobre
nós mesmos -o que contraria frontalmente os nossos anseios de legitimidade e autenticidade.
Mas deixemos a filosofia para lá e
voltemos ao processo eleitoral. Já
foi dito e é repetido com freqüência
que a democracia é o pior sistema de
política mas que não existe outro
melhor. Democracia é o mal menor.
Dentro da democracia, o sistema
de consulta popular também deve
ser o pior, mas não existe outro até
agora disponível. No fundo, é como
nos programas de auditório: o melhor é eleito pela intensidade das
palmas e dos gritos.
Temos o exemplo histórico do julgamento de Cristo. No domingo que
antecedeu a sua morte, ele entrou
triunfalmente em Jerusalém, foi o
homem do dia, o personagem mais
popular da cidade.
Quatro dias depois, sem que ele tivesse mudado substancialmente, ou
seja, dentro daquilo que hoje chamaríamos de "mesmo contexto", ele
foi colocado ao lado de um assassino
e apresentado ao mesmo povo para
a escolha fatal: Jesus ou Barrabás?
No domingo anterior, o povo louvou-o como filho de Davi, cantando-lhe os hosanas a que tinha direito.
Quatro dias depois, o povo deveria
libertar um criminoso e o filho de
Davi ali estava, como criminoso, ao
lado de um assassino.
A história é bastante conhecida: o
povo preferiu libertar o assassino:
"non hunc sed Barrabam!". Não este, mas Barrabás.
Não existiam, então, os institutos
de pesquisa para detectarem os humores da opinião pública. Tampouco houve tempo útil para grandes
campanhas a favor de um ou outro
condenado. Nos misteriosos veios
da opinião pública, a sorte estava
lançada. Democraticamente, o povo
preferiu libertar o criminoso e condenar o inocente. Com pequenas variantes, o fato se repete muitas vezes ao longo dos anos.
Por tudo isso, minha opinião pessoal nunca foi consultada pelos institutos de pesquisa. Volta e meia, um
curioso qualquer me pergunta sobre
isso ou aquilo, se acredito em disco
voador, qual o botequim de minha
preferência, se Lula vai mesmo para
um terceiro mandato.
Procuro responder educadamente, nunca vi disco voador, não freqüento botequins e nem estou aí para saber se Lula vai ou não vai para
novo mandato.
Acho que já contei a história do
Joel Silveira. Estava assistindo a um
jogo de futebol pela TV quando um
pesquisador do Ibope bateu à sua
porta e perguntou que canal ele estava vendo. Joel pediu um tempo, foi
à sala, desligou o aparelho, voltou à
porta e respondeu: "Nenhum!".
Sou uma espécie do "João Ninguém" cantado por Noel Rosa, que
nunca teve opinião. Nelson Rodrigues dizia de certo escritor e jornalista famoso, já falecido, que, ao longo dos seus 70 anos de vida, nunca tivera uma opinião. Infelizmente,
houve tempo em que caí na asneira
de ter opiniões. Como tive catapora,
sarampo e coqueluche. Bem ou mal,
sobrevivi às chamadas doenças infantis, inclusive a de ter opinião.
Num julgamento famoso, o de Doca Street, o criminalista Evandro
Lins e Silva lia um documento sobre
o passado da vítima assassinada pelo
amante. O advogado de defesa, Evaristo de Moraes Filho, o aparteou
com sua voz poderosa: "Recuso a
opinião de V. Exa.!". Evandro parou
a leitura e com a calma que lhe era
própria respondeu: "Nobre colega,
não estou dando uma opinião. Estou
lendo um laudo".
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