São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Atrizes citam Silvio de Abreu como motivo para retorno à TV

Yáconis diz que há menos riscos com o autor, e Montenegro vê novelista como sinônimo de qualidade

"Fazer coisa ruim é triste (...) Faço muito pouco e vejo menos [TV] ainda", diz Cleyde Yáconis, que considera divertido fazer novela agora

AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO

Na tarde de uma terça-feira, ela surge em um camarim da novela "Passione" de peruca branca cacheada e expressão austera. "Sejamos rápidas", diz à repórter. "Não explique nada, apenas faça as perguntas."
Enquanto o cabeleireiro remove a peruca, Cleyde Yáconis, 87, diz que "envelhecer é viver".
"Outro dia estava no estacionamento de um shopping com a irmã, procurando uma vaga -sim, eu guio-, quando ela apontou: "Olha aí uma vaga". "Não, essa aí é para idoso", eu respondi."
A atriz cai na risada. "Não é maravilhoso? Eu ria tanto! Sou eu! Estou viva! É a prova de que estou bem. Por enquanto, não há nada que a idade me impeça de fazer", afirma.
Apesar da vitalidade, Cleyde sente algumas mudanças:
"Parece que meu tempo mudou. Faço as mesmas coisas, mas talvez demore mais um pouco. É nisso que eu sinto mais a quarta idade, porque já não é a terceira. Estou com 87! Tem problemas, mas é preciso bom humor".
Em parte, é a vontade de manter o bom humor que leva Cleyde de volta à televisão. Também foi fundamental o fato de o convite vir para uma trama de Silvio de Abreu, com quem, diz ela, "corre-se menos riscos de equívocos".
"Fazer coisa ruim é triste." E a televisão anda muito ruim? "Nem me pergunte. Faço muito pouco e vejo menos ainda."
Se faz novela agora é porque "é divertido": "Quando você usa a TV, é bom. Sempre tem um aprendizado. Por exemplo, estou contracenando com a Fernanda. É uma oportunidade que não se perde, além de ser gostoso reencontrar a amiga".

O tempo sem angústia
Cleyde diz não se lembrar de ter dividido com Fernanda Montenegro alguns dos teleteatros dirigidos por Antunes Filho. Seu vasto currículo permite a confusão: a atriz, irmã de Cacilda Becker, fez 90 peças.
"O teatro é a síntese da humanidade, reflete o que acontece no mundo: as evoluções, a moral, a ética, a política cultural, tudo isso. É um templo sagrado e, se para, é porque o mundo parou", diz.
E é por tê-lo como espaço sagrado que a atriz se diz "muito magoada" com a situação atual das artes cênicas.
"Quando eu comecei, fazíamos dez sessões por semana. Hoje são dez sessões por mês", lamenta ela, que, como Fernanda, não vê com bons olhos a dependência das leis de incentivo.
"Politicamente, tem essa esmola, com chapéu na mão... Quando produzi, fiz com meu dinheiro. Foram oito espetáculos. Parei porque não quero enlouquecer." E reclama da ausência de plateia: "A evasão do público é uma tristeza".
Mas nem isso, diz a atriz, é motivo de angústia. Cleyde não teve filhos, nem pensou em tê-los quando esteve casada com Stênio Garcia (por 11 anos).
"Não os teria apenas para satisfazer a ideia de que a mulher deve procriar". Vive com a "irmã Preta", que cuidou dos filhos e netos de Cacilda Becker. "Ela agora é minha babá!", diz.
Outra companhia são as duas cadelas na chácara onde vive, a 30 km de São Paulo.
"Não posso ter angústia. Alguém pode ter ansiedade com 200 roseiras? Alguém pode sofrer com árvore, passarinho, cachorro? Tenho árvore e animal, o suficiente para não ter angústia." (AUDREY FURLANETO)

"Desde que você não entregue a alma [à TV] (...), é uma expressão de cultura industrializada e eletrônica", diz Fernanda Montenegro

DA SUCURSAL DO RIO

Ela surge pontual, às 22h, no hotel vizinho à sua casa, em Ipanema, zona sul do Rio. Elegante, ajeita o lenço no pescoço e diz em tom grave: "Meus amores, me desculpem a hora. Estou gravando desde cedo".
Pouco depois, Fernanda Montenegro volta a falar da aflição com as horas que passam: "Os tempos mudaram. Tudo ficou sem tempo".
Ela tem 80 anos, mas quando a repórter lhe pergunta o que é envelhecer, faz uma pausa, olha para as mãos no colo:
"Não sei, não sei. Há dias em que estou muito velha. Há dias em que estou uma adolescente. Há dias em que os pés doem, os artelhos doem muito".
"É claro que tenho que usar óculos nessa idade, mas tem muita gente moça que usa, não tem? Talvez eu esteja, não sei, parece que não, perdendo a audição perfeita. Mas tem gente moça que não ouve bem."
Continua: "Há uma gama de falências na dita velhice que tem gente que não é velha e tem. Por enquanto, me sinto inteira".
Fernanda começa a gravar a novela "Passione", de Silvio de Abreu, de manhã e conclui as cenas à noite. "Quero que você escreva isso: a televisão é uma indústria pesada", diz, enfática.
"Ela tem importância no setor produtivo do país. Com seu melhor e com seu pior. É um mercado violento. E, desde que você não entregue a alma, que entregue seu trabalho com qualidade, é uma expressão de cultura industrializada e eletrônica."
Fernanda estava distante das novelas desde "Belíssima" (05), também de Silvio de Abreu, novelista que considera autor de qualidade, ao lado de Gilberto Braga, Benedito Rui Barbosa, Manoel Carlos, Aguinaldo Silva e João Emanuel Carneiro.
Fora desta lista e de minisséries como "Hoje é Dia de Maria" e "Agosto", diz que "há uma crise de dramaturgia na televisão". "Tem muito lixo."

Sem tempos mortos
Quando os tempos eram outros, Fernanda passava períodos só na TV -como de 1951 a 1953. Só depois, relembra, fez teatro. A diferença, explica, é que naquela época encenavam-se peças inteiras na TV. "Foram mais de 400 teleteatros", diz.
Não há, no entanto, algo que ela chama de "como era verde meu vale" no discurso. "A dinâmica de hoje requer rapidez. Não acho que seja bom, mas é o que é. São os tempos do não pensar, só executar. O teatro é um artesanato muito caro."
"Não pode ser enlatado, não é um produto que você compra e põe para funcionar a hora que quiser, como um DVD. Houve uma mudança na inquietação cultural do país. O teatro foi se afunilando ficando totalmente dependente do erário público."
Viúva há um ano e oito meses -seu marido, o ator e diretor Fernando Torres, morreu em 2008-, a atriz discorre sobre a solidão: "Às vezes ela invade violentamente a gente. E às vezes, não sei onde ela está".
Fala também sobre o amor: "Não sei defini-lo, me sinto constrangida. É tão importante o amor que é melhor não definir, entende?"- e pede à repórter para voltar ao outro tema.
"A tragédia é quando se morre jovem. Você paga um preço para viver que é ficar velho", diz Fernanda.
"É melhor ficar velho e ir tocando, como se a velhice não existisse. Não é ignorá-la. É encará-la, respeitá-la e não denegri-la. [Leva as mãos ao rosto] Ah! Que loucura é a vida", e ri.
(AF)


Texto Anterior: Jogo de damas
Próximo Texto: Semana reúne 12 finais de temporada
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.