São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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LITERATURA

Grupo Imbuaça e cineasta Francisco Ramalho adaptam livro de Francisco J.C. Dantas, que guarda mais inéditos

Teatro e cinema acolhem "Os Desvalidos"

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A ITABAIANINHA (SE)

Os rostos em preto-e-branco dos pais, avós e bisavós ordenados na parede; os janelões do casarão secular que emolduram céu e montanhas; os bois e cabras a pastar; e uma certa desesperança ruminante do dono da fazenda Lajes Velha, em Itabaianinha, a duas horas de carro de Aracaju, são alguns dos vestígios impregnados na obra do fazendeiro e romancista sergipano Francisco José Costa Dantas.
"Sou um sujeito desalentado de sopro de vida. A minha terapia são os personagens", diz Francisco J.C. Dantas, 62, como assina, olhar acabrunhado de quem atravessou tragédias para chegar até aqui -uma delas, certamente, a perda de um filho em meados dos anos 90, mas que os silêncios, às vezes, parecem trovejar que foi ontem.
Dantas não publica um romance há sete anos. Está sem editora. Na década passada, então na casa dos 50, a crítica o acolheu como revelação em "Coivara da Memória" (1991), pela Estação Liberdade. Depois, lançou "Os Desvalidos" (1993) e "Cartilha do Silêncio" (1997), ambos pela Companhia das Letras.
Mas Dantas não parou, e assim sobrevive. Guarda mais três histórias para morar em livro. Uma delas é o romance "Sob o Peso das Sombras", narrado por um secretário de uma hipotética faculdade de mitologia do Nordeste.
"Doente desenganado pela medicina, viúvo, esse secretário, metido a jornalista, faz o balanço de sua vidinha frustrada, focando a própria origem, o ensino acadêmico, o diretor autoritário, sob cujas ordens trabalha, o desacerto de certos setores do país que parecem governados pela sina. E, a par disso, a sua relação com uma cunhada que o assiste, e por quem desenvolve uma paixão" escreve Dantas, um ressabiado com sinopses. Ele nada adianta sobre o fio de mais duas meadas inéditas, "Cabo Josino Viloso" e "Um e Outro", novelas a lapidar.
Enquanto isso, espreita o desdobrar do segundo livro. "Os Desvalidos" ganhou versão para palco e rua com o Imbuaça, grupo que tem 26 anos de resistência cultural em Aracaju.
A montagem de mesmo nome estreou no início do mês e agora vai percorrer o interior sergipano, sob patrocínio da Petrobras.
Dantas não foi ao teatro, mas tomou notícias do espetáculo com gente de confiança que assistiu: sua mãe, dona Miralda, e sua mulher, a poeta Maria Lúcia Dal Farra. Promete ver um dia.
Os folhetos de cordel que estão na gênese do Imbuaça, em 1978, amarraram o grupo ao livro, como se lê nos capítulos: "O Cordel de Coriolano", "Jornada dos Pares no Aribé" e "Exemplário de Partida e de Chegada".
A obra expõe a miséria ancestral do Nordeste, do Brasil, do mundo. Num dos recortes para a adaptação, dramaturgia assinada pelo ator Ivam Cabral, do grupo Satyros, há a história de amor entre Filipe e Maria Melona, apartados de suas vidas severinas, unidos depois sabe-se lá por qual destino ou acaso, até o desfecho trágico. Em paralelo, segue-se o curso do sobrinho-narrador Coriolano e, como pano de fundo, a degola de Lampião na gruta de Angicos (SE), em 1938.
Em cena, dirigidos por Rodolfo García Vázquez, também do Satyros, está o núcleo do Imbuaça: Isabel Santos Neves, Lindolfo Amaral, Tetê Nahas, Tonhão e Valdice Teles. E mais quatro atores convidados.
A direção de arte e os figurinos de Fábio Namatame sugerem personagens chafurdados no barro, como que irremovíveis do chão. A música de Joésia Ramos reforça ritmos e versos da cultura popular, essa rica e inesgotável fonte da qual o Imbuaça sempre se valeu.
E "Os Desvalidos" também chegará ao cinema. O paulista Francisco Ramalho está na oitava versão do roteiro. Ramalho, 63, eliminou personagens, mas sob a convicção de que "o espírito do livro está lá". "É preciso estar preparado para se desfazer do que gosta. Teatro e cinema são outra coisa, podem inclusive trocar personagens, despojá-las", consola-se Dantas, que recebeu o cineasta em sua fazenda e simpatizou com o projeto em captação.
À parte o trabalho e o cotidiano na roça, que o apanha em criança, Dantas já foi tabelião, fotógrafo, diretor de escola, professor etc.
Como não bastasse, acresceu o ser escritor, nutrido por universo que lhe é próximo: o do sertanejo. Não à toa, repara que os personagens-narradores são, ao cabo, um pouco dele mesmo.
Em 2000, Dantas recebeu, por "Cartilha do Silêncio", o Prêmio Internacional União Latina de Literaturas Romanas, com base na Itália. Distinção já endereçada, entre outros, ao português José Cardoso Pires e ao uruguaio Juan Carlos Onetti, este o autor que mais admira.
O que dirá, então, do mineiro João Guimarães Rosa e do alagoano Graciliano Ramos, ícones da narrativa regionalista aos quais é freqüentemente associado? Dantas não acha que fique bem assentado ao lado dos comparados, mas tampouco lhe angustia alguma influência.


O jornalista Valmir Santos viajou a convite do grupo Imbuaça

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