|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
Grupo Imbuaça e cineasta Francisco Ramalho adaptam livro de Francisco J.C. Dantas, que guarda mais inéditos
Teatro e cinema acolhem "Os Desvalidos"
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A ITABAIANINHA (SE)
Os rostos em preto-e-branco
dos pais, avós e bisavós ordenados na parede; os janelões do casarão secular que emolduram céu
e montanhas; os bois e cabras a
pastar; e uma certa desesperança
ruminante do dono da fazenda
Lajes Velha, em Itabaianinha, a
duas horas de carro de Aracaju,
são alguns dos vestígios impregnados na obra do fazendeiro e romancista sergipano Francisco José Costa Dantas.
"Sou um sujeito desalentado de
sopro de vida. A minha terapia
são os personagens", diz Francisco J.C. Dantas, 62, como assina,
olhar acabrunhado de quem atravessou tragédias para chegar até
aqui -uma delas, certamente, a
perda de um filho em meados dos
anos 90, mas que os silêncios, às
vezes, parecem trovejar que foi
ontem.
Dantas não publica um romance há sete anos. Está sem editora.
Na década passada, então na casa
dos 50, a crítica o acolheu como
revelação em "Coivara da Memória" (1991), pela Estação Liberdade. Depois, lançou "Os Desvalidos" (1993) e "Cartilha do Silêncio" (1997), ambos pela Companhia das Letras.
Mas Dantas não parou, e assim
sobrevive. Guarda mais três histórias para morar em livro. Uma delas é o romance "Sob o Peso das
Sombras", narrado por um secretário de uma hipotética faculdade
de mitologia do Nordeste.
"Doente desenganado pela medicina, viúvo, esse secretário, metido a jornalista, faz o balanço de
sua vidinha frustrada, focando a
própria origem, o ensino acadêmico, o diretor autoritário, sob
cujas ordens trabalha, o desacerto
de certos setores do país que parecem governados pela sina. E, a par
disso, a sua relação com uma cunhada que o assiste, e por quem
desenvolve uma paixão" escreve
Dantas, um ressabiado com sinopses. Ele nada adianta sobre o
fio de mais duas meadas inéditas,
"Cabo Josino Viloso" e "Um e
Outro", novelas a lapidar.
Enquanto isso, espreita o desdobrar do segundo livro. "Os
Desvalidos" ganhou versão para
palco e rua com o Imbuaça, grupo
que tem 26 anos de resistência
cultural em Aracaju.
A montagem de mesmo nome
estreou no início do mês e agora
vai percorrer o interior sergipano,
sob patrocínio da Petrobras.
Dantas não foi ao teatro, mas tomou notícias do espetáculo com
gente de confiança que assistiu:
sua mãe, dona Miralda, e sua mulher, a poeta Maria Lúcia Dal Farra. Promete ver um dia.
Os folhetos de cordel que estão
na gênese do Imbuaça, em 1978,
amarraram o grupo ao livro, como se lê nos capítulos: "O Cordel
de Coriolano", "Jornada dos Pares no Aribé" e "Exemplário de
Partida e de Chegada".
A obra expõe a miséria ancestral
do Nordeste, do Brasil, do mundo. Num dos recortes para a
adaptação, dramaturgia assinada
pelo ator Ivam Cabral, do grupo
Satyros, há a história de amor entre Filipe e Maria Melona, apartados de suas vidas severinas, unidos depois sabe-se lá por qual
destino ou acaso, até o desfecho
trágico. Em paralelo, segue-se o
curso do sobrinho-narrador Coriolano e, como pano de fundo, a
degola de Lampião na gruta de
Angicos (SE), em 1938.
Em cena, dirigidos por Rodolfo
García Vázquez, também do Satyros, está o núcleo do Imbuaça:
Isabel Santos Neves, Lindolfo
Amaral, Tetê Nahas, Tonhão e
Valdice Teles. E mais quatro atores convidados.
A direção de arte e os figurinos
de Fábio Namatame sugerem personagens chafurdados no barro,
como que irremovíveis do chão.
A música de Joésia Ramos reforça
ritmos e versos da cultura popular, essa rica e inesgotável fonte da
qual o Imbuaça sempre se valeu.
E "Os Desvalidos" também chegará ao cinema. O paulista Francisco Ramalho está na oitava versão do roteiro. Ramalho, 63, eliminou personagens, mas sob a
convicção de que "o espírito do livro está lá". "É preciso estar preparado para se desfazer do que
gosta. Teatro e cinema são outra
coisa, podem inclusive trocar personagens, despojá-las", consola-se Dantas, que recebeu o cineasta
em sua fazenda e simpatizou com
o projeto em captação.
À parte o trabalho e o cotidiano
na roça, que o apanha em criança,
Dantas já foi tabelião, fotógrafo,
diretor de escola, professor etc.
Como não bastasse, acresceu o
ser escritor, nutrido por universo
que lhe é próximo: o do sertanejo.
Não à toa, repara que os personagens-narradores são, ao cabo, um
pouco dele mesmo.
Em 2000, Dantas recebeu, por
"Cartilha do Silêncio", o Prêmio
Internacional União Latina de Literaturas Romanas, com base na
Itália. Distinção já endereçada,
entre outros, ao português José
Cardoso Pires e ao uruguaio Juan
Carlos Onetti, este o autor que
mais admira.
O que dirá, então, do mineiro
João Guimarães Rosa e do alagoano Graciliano Ramos, ícones da
narrativa regionalista aos quais é
freqüentemente associado? Dantas não acha que fique bem assentado ao lado dos comparados,
mas tampouco lhe angustia alguma influência.
O jornalista Valmir Santos viajou a convite do grupo Imbuaça
Texto Anterior: Animação: Astros ajudam Turma da Mônica na TV e no cinema Próximo Texto: Marcelo Coelho: Os valores da "era Reagan" Índice
|