CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Para fazer bons filmes, às vezes basta ter uma boa idéia do que muitas. Ao contrário de alguns diretores franceses, Pierre Jolivet segue essa fórmula. E acerta na mosca em "Amigo É pra Essas Coisas", que estréia hoje na cidade.
O filme acompanha o cotidiano de Zim, Cheb, Arthur e Safia, quatro jovens que vivem num subúrbio. Suas origens são mistas -da Europa Oriental, da África e do mundo árabe. Suas presenças são malvistas, com mais ou menos intensidade. E cada um sofre as reações racistas e intolerantes à mistura social.
O diretor adapta a estrutura eficaz das aventuras dos "Três Mosqueteiros", de Dumas, e as atualiza em desventuras.
Quanto mais o grupo de amigos se fortalece individualmente, graças à crença no "um por todos e todos por um", mais se depara com uma lei social fundada no "cada um por si e todos contra todos".
Em vez de tratar o tema com peso de tese ou de se arriscar na armadilha do filme-denúncia, Jolivet opta pela leveza. Toma a questão social como motor das relações pessoais e concentra seu foco nos personagens, nas suas diferenças e nas suas individualidades.
Dessa forma, abandona a demonstração por meio de arquétipos e deixa as situações mesmas revelarem um ponto de vista ao espectador. E não cria uma contraposição moralista do tipo todos os franceses são racistas e todos os imigrantes são vítimas.
O jovem branco, por exemplo, só consegue a carteira de motorista porque a examinadora tem de preencher cotas de aprovação. A garota árabe tem de chantagear seu patrão também árabe para fazer cumprir seu direito ao salário mínimo.
Já o pai do jovem africano é quem mais trata o filho dentro de uma moral preconceituosa.

Discurso jovem
Com um ritmo ágil e uma câmera livre, que acompanha a perambulação de seus personagens, e uma trilha movida a rock e hip hop, o filme de Jolivet alcança um discurso claramente dirigido para uma platéia jovem e fácil de ser digerido por esse espectador.
"Amigo É pra Essas Coisas" ajuda inclusive a entender muitos dos motivos que culminaram nas revoltas promovidas por jovens nos subúrbios de várias cidades francesas no fim do ano passado e nas manifestações contra o projeto de primeiro emprego lideradas por estudantes neste ano. Prova de que o cinema também pode ser pedagógico sem deixar de ser divertido.

AMIGO É PRA ESSAS COISAS     
Direção: Pierre Jolivet
Com: Adrien Jolivet, Mhamed Arezki
Quando: a partir de hoje no HSBC Belas Artes