São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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Abaixo-assinado reúne 25 mil contra projeto

DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto que altera a Lei Rouanet para nela incluir explicitamente como beneficiários os templos religiosos tem provocado reações adversas e ataques dos meios culturais e de fora deles, que consideram a proposta uma distorção dos objetivos da lei.
Além de manifestações de produtores, escritores e cineastas, um abaixo-assinado já reuniu na internet mais de 25 mil assinaturas de pessoas contrárias à proposta do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ).
Cesar Oliveira, 54, organizador da petição virtual, diz que entregará a lista completa ao deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) depois de amanhã, segunda-feira. Por que ele? "Tenho o hábito de encher o saco daqueles em que voto", ele diz. "Eu pago meus impostos, acho que posso reclamar."
Oliveira registrou o abaixo-assinado em um site de petições virtuais e encaminhou e-mails para amigos (que deviam fazer o mesmo com seus conhecidos, e assim por diante). Nessas mensagens, recebiam um link para o texto no www.petitiononline.com. Preenchiam um cadastro e acrescentavam seu nome ao documento.

Separação igreja-Estado
Entre os nomes está o do escritor Milton Hatoum, que diz considerar a proposta de Crivella "um absurdo". Defendendo que o imposto repassado pela Lei Rouanet para o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) deve ser destinado exclusivamente para atividades artísticas, Hatoum afirma que "usar uma parte do Imposto de Renda de empresas em templos religiosos é uma afronta à Constituição".
Crítica semelhante é feita pelo cineasta Cacá Diegues, também contrário ao uso de dinheiro público para atividades religiosas. "Acho que não é uma iniciativa democrática porque o Estado brasileiro é laico e não pode se meter em religião, seja de qual natureza for. Não tenho nada contra igreja nenhuma. Mas sou absolutamente contra", ele diz.
Gilberto Belleza, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, e o cineasta André Sturm fazem crítica semelhante à afirmação do senador Crivella de que o projeto busca proteger igrejas "centenárias" e que ele não quer templos caindo na cabeça dos fiéis.
"A manutenção de igrejas centenárias já é possível. A lei permite, dentro de uma classe de edifícios tombados", diz Belleza. "Se a igreja centenária ou bicentenária for patrimônio histórico, a Lei Rouanet permite [seu uso para restauração]", afirma Sturm. Ambos não vêem, portanto, razão para que essa característica da lei seja "explicitada" por novo projeto.
"Isso é uma loucura total, uma coisa estapafúrdia. A lei não é para isso. Ela foi criada para incentivar a cultura", diz Paulo Thiago, presidente do Sicav-RJ (Sindicato Interestadual do Audiovisual).
Também ressaltando a função específica da lei -estimular projetos artísticos-, Luiz Fernando Benedini, diretor-executivo da Orquestra Sinfônica Brasileira, diz que o projeto de Crivella repete o pleito que veio a dar na Lei do Esporte.
A demanda inicial de esportistas era que o setor pudesse participar dos recursos da Lei Rouanet. Após disputa com representantes da cultura, o governo federal terminou criando uma outra fatia de isenção fiscal para a área, que não concorreria com a porcentagem prevista para a cultura.
"Toda vez que você tenta usar para outros fins, você restringe os recursos que o legislador havia destinado especificamente para a cultura", ele diz.
"A cultura é setor estratégico e a todo momento alguém tenta entrar numa conquista que é sua", afirma Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro. "É um absurdo do ponto de vista de mercado. As igrejas têm como se sustentar, enquanto o cinema e o teatro são atividades de mendicância", faz coro o cineasta Domingos de Oliveira. (EDUARDO SIMÕES E RAFAEL CARIELLO)


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