São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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Crítica/romance

V.S. Naipul evita assumir riscos em obra conformista e regular

Escrito em 2004, romance "Sementes Mágicas" ganha tradução para o português

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Sementes Mágicas", romance de V.S. Naipaul de 2004 agora traduzido para o português, tem dois momentos bem diferentes. No primeiro, o indiano Willie Chandran deixa Berlim, onde vivia uma existência deslocada e apática e volta para seu país, para se tornar um guerrilheiro. Ao leitor, cabe acompanhar essa jornada que, a despeito de suas causas coletivas, resulta nula em termos político-sociais e importante do ponto de vista de pessoal. O personagem consegue descobrir quem ele não era.
O processo é duro e não isento do sofrimento ("Já não tem a mesma lucidez de antes, e não há nada mais frágil que um revolucionário cuja lucidez dá sinais de esgotamento") e culpa ("não devia jamais ter me permitido acreditar que só havia um lado nessa guerra"). A narração, distanciada e econômica, condiz com o projeto formativo do indiano, que inicia seu percurso em estado de absoluta passividade.
No segundo momento, Willie, valendo-se da sua condição de escritor por conta de um livro que lançara na juventude, consegue, com a ajuda da irmã, o apoio de um advogado inglês e vai para a Inglaterra. A primeira parte abrange anos de sua vida, já a segunda é bem mais curta, reduz-se a semanas.
O engajamento e a luta política dão lugar a conflitos mais íntimos, a relações humanas conturbadas, a dificuldades de lidar com os outros, ao desejo incontornável de sexo.
"Dei parte da minha vida e não redundou em nada. Não posso voltar para lá. Preciso deixar morrer essa parte de mim (...). Preciso compreender que grandes países progridem ou retrocedem de acordo com a ação de forças internas que estão fora do controle dos homens. A partir de agora devo tentar ser apenas eu mesmo."

Romance regular
Se os dois momentos de "Sementes Mágicas" tivessem sido escritos, respectivamente, por J.M. Coetzee e Ian McEwan, por exemplo, teríamos possivelmente dois romances estupendos. Com Naipaul, a tensão latente nas duas situações parece sempre formulada de modo a diminuir os riscos: fica no ar permanentemente uma boa dose de conformismo, que transcende as implicações do enredo e ao mesmo tempo as contamina. Lê-se um romance regular -repleto de inúmeras questões a serem problematizadas- com a impressão constante de que ele poderia ser melhor.
Para quem se interessar pelo passado do personagem, Willie Chandran já fora o protagonista de "Meia Vida", primeira obra publicada pelo autor depois de receber o Prêmio Nobel de Literatura em 2001.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

SEMENTES MÁGICAS
Autor:
V. S. Naipaul
Tradução: Alexandre Hubner
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (264 págs.)
Avaliação: regular

NA INTERNET - Leia trecho www.folha.com.br/071661

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