São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

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POP/ANTIPOP

Músicos se dividem entre diversas bandas, que expõem conflitos com o uso de palavra, língua e artifícios pop

Coletivos e rodízios proliferam em SP

DA REPORTAGEM LOCAL

A turma da Vila Mariana centraliza atenções hoje em torno da Reco-Head e do impacto causado pelo Jumbo Elektro em quem já assistiu a algum de seus shows. Mas não é a primeira nem a única turma a se organizar em São Paulo em torno de preceitos de mão na massa, desprezo à indústria e relação de conflito com o estrelato pop.
O coletivo mais célebre, até aqui, é o Instituto, centralizado em eletrônica, hip hop e black music. Ativo desde pelo menos 1989, existe também Adriano Cintra, 30, roqueiro inveterado que atualmente trabalha em seis grupos ao mesmo tempo.
Sua banda "principal" é Thee Butchers" Orchestra, de punk rock acelerado, mas ele também mobiliza as femininas e feministas Cansei de Ser Sexy e Verafisher, o Ultrasom, o Loveboxx Music e o Mango Kid (onde escoa tudo que faz sozinho, sem bandas).
Adriano diverge da trupe Reco-Head porque, afora o caso dos Butchers, desistiu de gravar CDs. "Tenho preguiça, dá muito trabalho. O disco do Ultrasom está parado na [gravadora independente] Bizarre há três anos, quando sair vou estar de saco cheio de tocar aquelas músicas", diz.
Seu escoadouro é o braço cibernético da gravadora Trama (www.tramavirtual.com.br), onde se encontram faixas avulsas de todos os seus projetos. Segundo ele, não lhe rende um centavo direto, mas divulga as bandas e aumenta a rotina de shows.
A internet é ponto de convergência também para os Reco-Head. A gravadora tem site próprio (www.recohead.com.br), assim como algumas de suas bandas principais.
Atrasado nesse quesito, o www.jumboelektro.com.br só disponibiliza um MP3 antigo de "Freak Cat", que dá idéia vaga da salada pop do grupo, que acasala Devo, The B-52's, Tom Zé, Mutantes, Serge Gainsbourg (um dos integrantes da banda, o nipobrasileiro Dudu Tsuda -ou Dimas Turbo-, já foi florista em Paris) etc. etc. etc.

Pop, linguagem
Um traço comum a integrantes diversos da cena paulistana atual é certa briga com as palavras, com o líder de cena como a indústria sedimentou nas últimas décadas.
Adriano Cintra só há pouco começou a intercalar o português com o inglês de hábito. "Hoje desencanei, mas tinha insegurança e vergonha do que fazia em português. Sinto-me exposto, é como ficar pelado", diz Cintra, intérprete de grandes recursos vocais que costuma ficar sem voz porque grita demais nos shows da Butchers" Orchestra.
Arthur Joly, que cantava em sua primeira banda, se auto-ironiza: "Havia uma ala do grupo, na qual eu me incluía, que era contra eu cantar". Joly, Setti e Guab assumem o medo/timidez/sofrimento no palco. "Aqui em São Paulo é uma tensão, o público analisa e critica demais", diz Joly, abordando as crises de crítica e autocrítica da maior cidade do país.
Tatá Aeroplano canta em "embromation" ou em português pouco legível. Daniel Setti (ou Lê Cheval, no Jumbo Elektro) define-o: "Ele é uma pessoa no Cérebro, outra no Jumbo, nem a voz é a mesma. A gente não tem cantor, mas Tatá é a voz".
Um dos truques pop/antipop do Jumbo Elektro é pedir vaias ao final, em vez de aplausos; a hora da vaia já virou uma das marcas registradas da relação de malucos entre o grupo e seus fãs escassos, mas cada vez mais numerosos.
"O Jumbo é uma banda de sinais trocados", filosofa Guab. "É assim que tem que ser, tem tanto picareta por aí se fazendo de sério", atalha Marcelo Ozorio, que adota ali o pseudônimo de Otto van der Vander, "primo de Otto e filho de Wander Wildner".
Há mais pontos de confluência na diversidade. Apesar de ainda serem antipop, vários dos nomes que você escutou aqui vêm de escolas de publicidade -casos de Joly, Tatá Aeroplano e Cintra.
Vários se agruparam à época da faculdade. Autor de frases curtas e precisas, Guab (que também é jornalista, como Daniel Setti) sintetiza as novas cenas: "É a estética da amizade".
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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