São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

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DVD/LANÇAMENTO

Pacote com três filmes traz o cinema desigual da Vera Cruz, incluindo o abolicionista "Sinhá Moça"

O "studio system" de SP chega ao digital

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A produção da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, grande estúdio que teve curta existência (1949-54), muitas vezes é descartada em bloco com uma única frase: "A ilusão da burguesia paulista de fazer um cinema industrial".
Estigmatizada pelo cinema de "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça", a filmografia da Vera Cruz ganhou uma aura de coisa velha, pesada, demodê.
A "Coleção Vera Cruz", em DVD, vem mostrar que esse clichê tem um forte fundo de verdade, mas que sob ele se escondem algumas virtudes e belezas importantes. O primeiro volume da coleção traz três filmes célebres e desiguais: "Tico-Tico no Fubá" (52, de Adolfo Celi), "Sinhá Moça" (53; Tom Payne), e "Uma Pulga na Balança" (53; Luciano Salce).
O primeiro é a biografia romanceada do compositor Zequinha de Abreu, o segundo é um drama abolicionista. O único filme de temática contemporânea é a comédia de costumes "Uma Pulga...".
Como grande parte da produção da Vera Cruz, os três foram dirigidos por companheiros que vieram trabalhar na cia.: os italianos Celi e Salce e o argentino de origem galesa Payne. O festival de nomes estrangeiros é revelador de um dos grandes méritos do estúdio: o de trazer ao país técnicos de primeira linha, como o diretor de fotografia inglês Chick Fowle (em "Tico-Tico") e o montador austríaco Oswald Hafenrichter (nos três filmes).
O grande aparato de produção da Vera Cruz pesa de maneira diferente sobre as três obras.
"Sinhá Moça", apesar de ser produção de época, misto de épico e melodrama, e de se ressentir da artificialidade dos diálogos, continua vivo por conta do dinamismo da montagem, da iluminação e dos movimentos de câmera. A seqüência final, espécie de Carnaval à luz de archotes pela libertação dos escravos, mantém seu impacto dramático e visual.
"Tico-Tico", ao contrário, parece ser um filme que já nasceu velho. Um roteiro moralista e piegas encontra em Adolfo Celi (grande ator em sua carreira italiana) um diretor quadrado, sem inspiração.
Nessa história do compositor de província (Anselmo Duarte) que hesita entre a vidinha doméstica e a aventura de desbravar o grande mundo, a personagem mais interessante é o da moça do circo vivida por Tônia Carreiro.
Já "Uma Pulga da Balança" oscila de modo nem sempre feliz entre a comédia, o policial e o melodrama ao contar a história de um espertalhão que aplica grandes golpes a partir de sua cela no presídio. O humor envelheceu, mas o filme vale pelo menos por duas coisas: pelas imagens da São Paulo do início dos anos 50 e pelo elenco de iniciantes, como o grande ator Paulo Autran e o canastrão John Herbert.
Uma última observação sobre as condições dos DVDs: em "Tico-Tico" e "Sinhá Moça" a imagem está ótima, mas o som deixa muito a desejar. Em "Uma Pulga na Balança" ocorre o oposto. E os "extras" são de uma pobreza franciscana: resumem-se a fotos.


Coleção Vera Cruz Vol. 1
  
Lançamento: Cinemagia
Quanto: R$ 115, em média



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