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CARLOS HEITOR CONY
José Agripino de Paula
Está sendo relançado o romance de José Agripino de
Paula, de cuja primeira edição, a
pedido de Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, tive o prazer de
fazer a apresentação. Li os originais e fiquei relativamente estarrecido: dos muitos romances inéditos que chegavam à editora naquele tempo, "Lugar Público" era
diferente, novo sem ser revolucionário. E revelava um autor por
dentro dos macetes mais avançados da época, mas sem o pedantismo que em geral acompanha
as obras que pretendem abrir caminhos para o fatigado gênero literário e, de lambujem, criar uma
nova era na literatura universal.
Creio que avaliei o original sem
me preocupar em avaliar o autor,
o que nem sempre é possível. Para
quem não é crítico profissional,
mas simples leitor e eventual resenhador de livros, a curiosidade
pela pessoa que apresenta seu primeiro livro a uma editora é muitas vezes o ponto de partida para
a leitura de um ou de outro original. Ênio me entregou o texto com
uma única recomendação: merece ou não publicação?
Evidente que merecia. Só depois
do lançamento do livro vim a conhecer o autor, já estranho naquele tempo, mas não tanto. Hoje, sabemos que José Agripino de
Paula radicalizou na sua opção
de viver como vive, deve ter motivos para isso. Mas o que interessa
é o seu livro, que permanece o
mesmo, intato, influenciando
gente que nem era nascida quando a obra foi escrita e publicada.
Transcrevo o prefácio da apresentação que fiz para "Lugar Público":
"A primeira constatação, após a
leitura deste romance, é positiva:
ganha a literatura brasileira um
novo criador. Não se trata de um
simples escritor, que escritores há
muitos, inclusive alguns que se
dedicam ao romance ou ao conto.
Mas "Lugar Público" revela um
criador, um artista que, através
de moderno e bem informado artesanato literário, consegue construir o seu universo peculiar e
universal. Para ser exato, seu universo particularmente universal.
É ao que me informaram um
estreante. Aqui e ali, neste romance, podemos encontrar alguma indecisão técnica, alguma imprecisão de linguagem. Mas indecisões ou imprecisões desaparecem no alentado texto deste romance de estréia. O que fica é o
poderoso fabular, o caótico mundo de um universo caótico, a obstinação do escritor em criar, criar
sempre, a todo custo. Um saldo
mais do que positivo.
Seria lícito apreciarmos, como
abordagem interpretativa, as influências evidentes ou suspeitadas deste novo criador. Desprezando os lugares-comuns da narrativa, abolindo o relato linear,
misturando planos objetivos e
subjetivos, sente-se, logo às primeiras páginas, a presença de um
escritor incomum. Sua frase, monotonamente curta, pode ser acusada de "fácil". Houve, com efeito,
uma época em que escritores comodistas abusavam do ponto-palavra-ponto. Da frase-período. A
facilidade do recurso revelava tão
somente a pobreza da linguagem.
Não é este o caso do autor de "Lugar Público". A economia sintática, a construção sincopada, em
blocos, lembram, evidentemente,
o "roman du regard". Ignoro se o
autor conhece ou não os romances e ensaios de Alain Robbe-Grillet. Mas gostaria de citar um trecho do romancista francês altamente adequado à linguagem e à
técnica de "Lugar Público".
"Não é raro, com efeito, em romances modernos, que se encontre uma descrição falando de nada; ela não dá inicialmente uma
visão de conjunto, parecendo nascer de um mínimo fragmento sem
importância a partir do qual inventa linhas, planos, uma arquitetura; e tem-se ainda mais a impressão de que os inventa porque
de repente, ela se contradiz, se repete, retoma, bifurca etc. Mas as
linhas do desenho se acumulam,
se sobrecarregam, se negam, se
deslocam, de modo que a imagem
é posta em dúvida à medida que
se constrói". (A. Robbe-Grillet:
"Por um Novo Romance", Les
Éditions de Minuit, p. 127).
Desprezando a parte técnica,
isolando aquilo que poderíamos
chamar de conteúdo, ainda aqui
estamos diante do que de mais
moderno existe em matéria de ficção. Temos, no Brasil, um grande
romancista de que se poderia suspeitar uma influência no autor:
Campos de Carvalho. Mas prefiro
ir mais longe, buscando em
Henry Miller, no Sartre de "Sursis", os aparentes formadores da
visão espessa e irritada deste novo
romancista.
Sendo eu, também, autor de romances, divirto-me, às vezes, em
perceber o esforço de alguns críticos buscando situar minhas origens e influências. É possível que o
autor de "Lugar Público" também
se divirta com esta tentativa de
minha parte, tentativa que não é
crítica, mas simples e ingenuamente aproximativa. Ou informativa.
Pois deixando de lado Robbe-Grillet, Miller ou Sartre, é preciso
reconhecer o óbvio e aqui escrevo
o nome do autor: é preciso reconhecer José Agripino de Paula. Ignoro se se trata de um jovem embora tudo pareça jovem em seu
romance, em sua visão de mundo.
E acredito que todos os que escrevemos e lemos, neste país, tenhamos orgulho em poder saudar um
criador que vem para a arena tão
bem dotado, apresentando não
uma hipotética promessa, mas
uma realidade cujos contornos,
em breve, a crítica e o público deverão precisar e consagrar".
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