São Paulo, quinta-feira, 16 de julho de 2009 |
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O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo. Crítica/teatro Peça leva Dostoiévski confessional ao palco
faz tipo masculino LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA A grande literatura não resulta necessariamente em grande teatro, pois um texto lido gera uma recepção diversa quando ouvido. Esse é o desafio que se colocou aos criadores do espetáculo "Memórias do Subsolo", ao adaptarem um dos romances mais contundentes do escritor russo Fiódor Dostoiévski. A primeira parte do romance tem um cunho confessional e reflexivo. Seu inominado personagem, dirigindo-se ao leitor potencial, faz uma série de conjecturas sobre si e a miserável condição humana. Na segunda parte ele relatará os fatos e as circunstâncias, muitas delas envolvendo outros personagens, que provocaram seu recolhimento ao sórdido porão em que se encontra. O espetáculo concentrou-se no primeiro segmento obtendo daí vantagens e desvantagens. Em favor da opção adotada, a possibilidade de manter o personagem alheio a referenciais externos e concentrado em um implacável exame de sua própria consciência, expurgando todos os seus demônios e, inevitavelmente, tocando em feridas comuns a todos os homens. A ausência de uma contextualização que se acrescente às suas densas reflexões dificulta a transposição teatral. O teatro é uma arte que se define pela ação e a simples emissão desse discurso feroz que não poupa nada, nem o próprio personagem, não garante o transporte do espectador à situação que se está apresentando. Para compensar esse recuo do dramático, a encenação de Cassio Brasil se esmera com uma engenhosa e sutil solução cenográfica. Uma camada de fios, insuficiente para vedar o personagem acomodado em uma cadeira de braços, mas bem visível, estabelece um discreto véu que delimita não só o espaço cênico, como o subsolo em que o personagem se vê acuado. A reforçar essa situação de animal preso nas teias de seu próprio pensamento, o chão que o rodeia está coberto com as bitucas dos cigarros que ele acende sem parar. Mika Lins, que adaptou o romance com Ana Saggese, colabora como atriz para favorecer uma fruição auditiva da prosa de Dostoiévski. Ela compõe um tipo masculino com traços corporais salientes e uma máscara facial raivosa. Sua voz está amplificada, o que lhe permite um tom menor, quase rouco e sem impostação. Esse desenho bem marcado do personagem estabelece um ritmo mais ou menos uniforme que, por vezes, se torna monocórdio e dificulta ainda mais o acompanhamento pelo público de seu raciocínio veloz e complexo. "Memórias do Subsolo" é, mesmo com essas dificuldades, um trabalho de grande mérito, forjado a partir da ótima tradução de Boris Schnaiderman. Impossível não citar que o núcleo central de criação tem origem no Jogo Estúdio de Eugênia Thereza de Andrade, referência de alto padrão artístico no teatro paulistano. Em tempos de monólogos, o espetáculo transpõe o leitor solitário de Dostoiévski e procura o compartilhamento coletivo de sua voz extraordinária. MEMÓRIAS DO SUBSOLO Quando: qua. a sex.: 21h, até 7/8 Onde: Sesc Consolação -espaço beta, 3º andar (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 3234-3000) Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10 Classificação: 12 anos Avaliação: bom Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Cinema: Brasil tem longas no 62º Festival de Locarno Índice |
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