São Paulo, sábado, 16 de julho de 2011

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livros

"Uma Duas" mergulha no subterrâneo feminino

Centrado no complexo de Electra, livro é estreia de Eliane Brum na ficção

Inscrita na tradição psicológica e intimista de Clarice Lispector, autora nega referência autobiográfica

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Ninguém atravessa incólume a leitura de "Uma Duas", romance de estréia da jornalista, documentarista e agora também romancista Eliane Brum.
Freudianamente falando, a obra remete ao complexo de Electra, atitude emocional em que a filha deseja, no plano inconsciente, eliminar a mãe e possuir o pai.
"Será que a morte da mãe é a vida da filha? Será que a vida da mãe é morte da filha?". É em torno das questões-chave do universo feminino que gira o romance. E o que não falta é sangue.
Das automutilações de Laura, a protagonista, à sua mãe, Maria Lucia, que, desmaiada em seu apartamento, tem um pedaço do pé engolido pelo gato. O livro se inscreve na tradição de Clarice Lispector, psicológico e intimista.
Brum, que nos últimos 20 anos perambulou pelas redações de veículos como a revista "Época" e o jornal "Zero Hora", descreve a experiência de escrevê-lo: "Foi mais assustador que qualquer outra coisa que já tinha feito", diz a autora gaúcha, 45.
É um comentário representativo para alguém que, como repórter, já trabalhou em temas como a chegada da morte em uma UTI ou a luta jurídica de uma mulher com feto anencéfalo pelo direito de abortar.
Este é o quarto livro de Brum. Os outros três são de reportagens, sendo que um deles, "A Vida que Ninguém Vê" (Arquipélago Editorial), lhe valeu o Prêmio Jabuti de 2007. Brum é também codiretora do documentário "Gretchen Filme Estrada", espécie de "road movie" com a rainha do rebolado.
Sobre seu estilo de trabalho, a autora declara: "Eu sou, acima de tudo, uma escutadora e uma contadora de histórias. Enquanto repórter, sempre tentei me esvaziar de qualquer preconceito para ouvir o outro. Já na ficção, foi preciso ouvir minhas vozes subterrâneas. Foi muito doloroso. Há certas realidades que só a ficção suporta". As vozes são três e, no livro, elas aparecem em formatos de letra diferentes: a filha, a mãe e a narração em terceira pessoa.

REFERÊNCIA
A autora nega qualquer associação autobiográfica. Mas a protagonista, assim como Brum, é jornalista. E referências a este ofício, há várias.
Sobre Clarice Lispector, Brum diz ter lido pouco, mas nunca ter esquecido de um pequeno livro infantil que conheceu quando criança, "A Vida Íntima de Laura". A Laura de Clarice é uma galinha que vive sob a ameaça de parar na panela.
"Aquilo me incomodou muito. E minha infância era um território inóspito, então, foi muito marcante. Desde cedo os livros me salvaram e sempre quis escrever ficção", comenta Brum.
"Uma Duas" não é uma obra fácil. A densidade do texto por vezes compromete a fruição da leitura. As explosões catárticas dos personagens são várias e exploradas à exaustão.
Mas a obra tem frescor e injeta uma proposta original dentro do cenário da nova literatura que está se produzindo no país. E a autora garante que novos livros virão.

UMA DUAS
AUTOR Eliane Brum
EDITORA Leya
QUANTO R$ 34,90 (176 págs.)




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