São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 2002

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

"PET SHOP MUNDO CÃO"

Cantor maranhense volta fazendo mistura crítica

Zeca Baleiro, 36, chega "ranzinza" ao quarto CD

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O maranhense Zeca Baleiro, 36, admite-se "ranzinza" ao lançar seu quarto álbum, o heterogêneo "Pet Shop Mundo Cão".
"Estou me mudando de São Paulo, vou para o mato, por desgaste deste mundo digital, deste tempo de gênios idiotas. Tenho ficado um pouco ranzinza. Questiono o sentido de tudo, da música, dos trâmites da indústria fonográfica, tudo isso", diz, para então contemporizar: "Mas acho que ter dúvida e um certo cansaço também alimenta a criação".
Ressaltando que o momento de desconforto ajuda a fazer de "Pet Shop Mundo Cão" o que ele acredita ser seu disco "mais lúcido e transparente", explica que a intenção inicial, de homogeneidade e simplicidade, não foi atingida.
"O disco tem três produtores além de mim, muitos músicos e convidados [como Arnaldo Baptista, Z'África Brasil, Elba Ramalho, Karnak etc.", e por isso ficou mais propenso a ficar diversificado. Ele é uma vitória da intuição", conclui ao examinar o resultado.
Após o minimalismo de "Líricas" (2000), é disco que retoma também os experimentalismos eletrônicos de "Vô Imbolá" (99).
"Tenho notado distorções grandes entre meus contemporâneos, um certo deslumbramento com a tecnologia, que é realmente fascinante. Mas então que se faça mesmo música eletrônica, sensorial. Acho que não se pode dissociar a poesia da canção. Não quero me distanciar do meu objetivo primeiro, que é a canção popular."
"A maior parte das pessoas faz disco para ter uma resenha risonha no jornal. Há um cálculo visível, muita coisa é feita para soar elegante. Não sou assim, acho que isso tira uma perspectiva de geração e distancia cada vez mais o artista "inteligente" do popular. O artista precisa buscar essa aproximação. Às vezes penso em assumir meu lado Odair José, quando for mais velho quero fazer um disco assim", proclama.
O objetivo de se emaranhar sempre à canção popular não o afasta de declarações como a que abre o CD, "Minha Tribo Sou Eu", que poderia ser interpretado como um hino à solidão, à moda dos malditos que Baleiro tem cultuado. "Tenho fascínio pelo imaginário desses casos, sim. O fracasso é mais literário e romântico que o sucesso. Mas não sou assim. Eu queria ser Nelson Gonçalves."
Mas eis, mesmo aí, o desconforto diante do inchaço constante do sucesso. "Paradoxalmente, o que leva você a públicos maiores e lhe traz amor é também o que tende a domesticá-lo. Vivo em conflito com isso, esse não é exatamente o meu lugar. Não vou ser sisudo, ficar com cara de mau como Mano Brown, mas vou me posicionar cada vez mais", debate-se.
Fala então do messianismo do cantor popular, de que ele trata com ironia no reggae maranhense "Guru da Galera".
"O compositor popular é meio um messias, acho que isso está embutido na minha própria persona. Fagner conta de um cara que se suicidou ouvindo "Fracasso", até temo que minhas músicas, por serem muito sinceras, de carne exposta, possam trazer essas ligações perigosas. O sucesso popular traz alegria, mas traz essa culpa também", reflete.
Explica se parte do cansaço relatado se deve ao imbróglio que o colocou no centro de uma disputa entre Lobão e o presidente da Universal, Marcelo Castello Branco (Lobão deveria à gravadora pela participação de Zeca num disco seu; o maranhense saiu em defesa do colega, afirmando que o executivo queria desviar atenções da questão da numeração de CDs).
"Não, isso está resolvido. Castello Branco gosta de Bob Dylan, não pode não ser um cara bacana. Eu poderia ter tirado mais proveito disso, nenhum disco meu causou tanta repercussão na imprensa quanto esse episódio. Mas sempre estive mais para Maria Bethânia que para Caetano Veloso. Mas o que me cansa mesmo é o mundinho, estou ficando velho. Tudo tende à banalização, até a nossa canção", encerra.


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