|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA/LANÇAMENTOS
"PET SHOP MUNDO CÃO"
Cantor maranhense volta fazendo mistura crítica
Zeca Baleiro, 36, chega "ranzinza" ao quarto CD
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O maranhense Zeca Baleiro, 36,
admite-se "ranzinza" ao lançar
seu quarto álbum, o heterogêneo
"Pet Shop Mundo Cão".
"Estou me mudando de São
Paulo, vou para o mato, por desgaste deste mundo digital, deste
tempo de gênios idiotas. Tenho ficado um pouco ranzinza. Questiono o sentido de tudo, da música, dos trâmites da indústria fonográfica, tudo isso", diz, para então
contemporizar: "Mas acho que
ter dúvida e um certo cansaço
também alimenta a criação".
Ressaltando que o momento de
desconforto ajuda a fazer de "Pet
Shop Mundo Cão" o que ele acredita ser seu disco "mais lúcido e
transparente", explica que a intenção inicial, de homogeneidade
e simplicidade, não foi atingida.
"O disco tem três produtores
além de mim, muitos músicos e
convidados [como Arnaldo Baptista, Z'África Brasil, Elba Ramalho, Karnak etc.", e por isso ficou
mais propenso a ficar diversificado. Ele é uma vitória da intuição",
conclui ao examinar o resultado.
Após o minimalismo de "Líricas" (2000), é disco que retoma
também os experimentalismos
eletrônicos de "Vô Imbolá" (99).
"Tenho notado distorções grandes entre meus contemporâneos,
um certo deslumbramento com a
tecnologia, que é realmente fascinante. Mas então que se faça mesmo música eletrônica, sensorial.
Acho que não se pode dissociar a
poesia da canção. Não quero me
distanciar do meu objetivo primeiro, que é a canção popular."
"A maior parte das pessoas faz
disco para ter uma resenha risonha no jornal. Há um cálculo visível, muita coisa é feita para soar
elegante. Não sou assim, acho que
isso tira uma perspectiva de geração e distancia cada vez mais o artista "inteligente" do popular. O artista precisa buscar essa aproximação. Às vezes penso em assumir meu lado Odair José, quando
for mais velho quero fazer um disco assim", proclama.
O objetivo de se emaranhar
sempre à canção popular não o
afasta de declarações como a que
abre o CD, "Minha Tribo Sou Eu",
que poderia ser interpretado como um hino à solidão, à moda dos
malditos que Baleiro tem cultuado. "Tenho fascínio pelo imaginário desses casos, sim. O fracasso é
mais literário e romântico que o
sucesso. Mas não sou assim. Eu
queria ser Nelson Gonçalves."
Mas eis, mesmo aí, o desconforto diante do inchaço constante do
sucesso. "Paradoxalmente, o que
leva você a públicos maiores e lhe
traz amor é também o que tende a
domesticá-lo. Vivo em conflito
com isso, esse não é exatamente o
meu lugar. Não vou ser sisudo, ficar com cara de mau como Mano
Brown, mas vou me posicionar
cada vez mais", debate-se.
Fala então do messianismo do
cantor popular, de que ele trata
com ironia no reggae maranhense "Guru da Galera".
"O compositor popular é meio
um messias, acho que isso está
embutido na minha própria persona. Fagner conta de um cara
que se suicidou ouvindo "Fracasso", até temo que minhas músicas,
por serem muito sinceras, de carne exposta, possam trazer essas ligações perigosas. O sucesso popular traz alegria, mas traz essa
culpa também", reflete.
Explica se parte do cansaço relatado se deve ao imbróglio que o
colocou no centro de uma disputa
entre Lobão e o presidente da
Universal, Marcelo Castello Branco (Lobão deveria à gravadora pela participação de Zeca num disco
seu; o maranhense saiu em defesa
do colega, afirmando que o executivo queria desviar atenções da
questão da numeração de CDs).
"Não, isso está resolvido. Castello Branco gosta de Bob Dylan,
não pode não ser um cara bacana.
Eu poderia ter tirado mais proveito disso, nenhum disco meu causou tanta repercussão na imprensa quanto esse episódio. Mas sempre estive mais para Maria Bethânia que para Caetano Veloso. Mas
o que me cansa mesmo é o mundinho, estou ficando velho. Tudo
tende à banalização, até a nossa canção", encerra.
Texto Anterior: DVD/Lançamentos Próximo Texto: Crítica: Conflito entrecorta a obra Índice
|