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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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Pistoleiros que fizeram Marçal Aquino conhecido no cinema povoam nova novela

O MATADOR


Fabiana Beltramin/Folha Imagem
O autor Marçal Aquino, que lança uma novela e uma antologia de contos, em seu apartamento repleto de livros, em SP


ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na novela "Cabeça a Prêmio", o escritor Marçal Aquino, 45, retoma o universo das mortes por encomenda que já lhe rendeu o roteiro do filme "Os Matadores" (97), de Beto Brant, a partir de um conto. "Agora fui até o fim."
O trabalho exauriu emocionalmente o autor. Foram 44 dias de convivência intensa com a dupla de pistoleiros que chegou sem explicar e foi tomando espaço no apartamento paulista desse escritor nascido em Amparo (SP). "Eu só sabia que tinha dois caras tocaiando um sujeito."
Até que a história fosse descoberta, os três trancaram-se e perderam-se no labirinto temporal do livro. A trama traz os elementos reais do tráfico, da violência e do amor captados pelo autor no cotidiano das ruas ou guardados de sua experiência nos tempos em que era jornalista policial.
A gênese da escrita concisa e das descrições sumárias que domina essa segunda novela de Aquino, depois de "O Invasor" (2002), pode ser acompanhada na antologia de contos "Famílias Terrivelmente Felizes", que está sendo lançada ao mesmo tempo que "Cabeça a Prêmio" pela Cosac & Naify.
Equilibrando seu tempo entre o primeiro romance e a finalização do roteiro, com Beto Brant, baseado no livro "Um Crime Delicado", de Sérgio Sant'Anna, Aquino recebeu a Folha em seu apartamento abarrotado de livros. "O Beto diz que os livros vão acabar me colocando fora de casa."
 

Folha - Como surgiu a idéia de "Cabeça a Prêmio"?
Marçal Aquino -
No começo de 2001, tentei voltar para a novela "O Invasor", da qual tinha escrito um terço em 97 e tranformado em roteiro. Como as pendências foram resolvidas para o cinema, o livro perdeu a graça, pois eu vou achando a história enquanto escrevo. Não consegui retomar. Nessa parada, surgiu o "Cabeça a Prêmio". Aí foi um mergulho, pois a estrutura era cheia de indas e vindas, sabia pouco sobre os personagens e a história foi vindo de uma forma muito forte.

Folha - E a narrativa surgiu mesmo toda fragmentada?
Aquino -
O que pode parecer estilo pode ser limitação. Não se deve pensar que eu manipulei, manejei os capítulos de forma a criar uma estrutura narrativa diferente da linear. Não. Fui enxergando a história dessa maneira.

Folha- O sr. fez pesquisa para esse livro?
Aquino -
Prefiro que a imaginação presida tudo. Mas a fagulha está no real, na rua, numa frase, numa situação. No fundo, sou um ouvidor de conversa alheia.

Folha - Dessa observação é que vem a visualidade da narrativa?
Aquino -
Falam do visual, mas eu não consigo ter distanciamento para olhar isso. O cinema é mais antigo que a literatura para mim, ele me levou a escrever.

Folha - Mas, quando o sr. fala de sua história, diz que a enxergou...
Aquino -
Posso tomar o real como base, mas não me sinto escravo dele. Sempre tive consciência de que é impossível trazer o real para dentro da literatura sem o filtro da ficção. Vai soar inverossímil. O roteiro da realidade é tão feroz que não dá para imaginar...

Folha - Em sua antologia "Famílias Terrivelmente Felizes", leio um lirismo nos primeiros contos que depois foi se transformando...
Aquino -
Entendo que hoje o lirismo se dá noutro lugar. Não pela perspectiva da figura de linguagem, mas pela observação de um fato que no real é lírico. Um mendigo sentado na sombra com um ventilador me parece mais poético do que criar esse lirismo dentro do corpo da narrativa. Mas esse foi um processo natural. Sinto que me aproximei da maneira como me interessa narrar...

Folha - E como é essa maneira?
Aquino -
O Joca [Reiners Terron], que é escritor e editor, lendo os meus últimos livros disse: "Você está muito perto de conseguir escrever como você fala". Talvez seja isso, essa sintaxe enxuta. Sempre acreditei numa literatura sem adereços, mais substantiva.

Folha - Qual o livro que o sr. está escrevendo agora?
Aquino -
O título é quilométrico: "Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios". É um romance sobre amor. Há conflitos e violência, mas não no recorte de "Cabeça a Prêmio", que é como "notícias do Brasil conflagrado".

Folha - Essa mudança de direção tem a ver com um receio de ficar marcado pelas histórias violentas?
Aquino -
Às vezes me apontam como escritor policial. É uma classificação que não me incomoda. Tenho consciência que minha literatura visita outros abismos. Quando falo que estou escrevendo sobre o amor é uma guinada natural para mim.

Folha - A retomada do universo dos matadores, sucesso no cinema de "Os Matadores", nesse "Cabeça a Prêmio" não pode sugerir que o sr. encontrou uma fórmula?
Aquino -
Eu não tinha esgotado esse meu contato com o universo dos matadores no conto "Matadores". Agora, com "Cabeça a Prêmio", fui até o fim. Mas todo escritor tem suas obsessões. Revendo os contos comecei a encontrar as coisas que me inquietam. E elas não se esgotam. Há sempre uma maneira de manejar esses elementos e ir noutra direção. Não vejo como problema. É só uma característica dentro de um universo narrativo.

Folha - O sr. estava na antologia "Geração 90 - Manuscritos de Computador", de Nelson de Oliveira. O sr. é um autor da geração 90?
Aquino -
Depende do viés. O critério do Nelson era reunir quem começou a publicar prosa na década de 90 e tinha publicado mais de um livro. Então me encaixava. Mais importante do que se falar em geração 90, é o mapeamento que o Nelson fez. Eu não vejo polêmica. Está se gastando papel com uma questão sem importância. Importante é fazer literatura.


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