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ERUDITO
Freud é introduzido como personagem na obra composta por Wagner; encenador alude ao tráfico e critica a moda
Thomas leva "Tristão e Isolda" ao divã
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O libreto e a música são do compositor e regente alemão Richard
Wagner (1813-83), mas quem
contracena com os personagens
demasiado trágicos e românticos
de "Tristão e Isolda" é o austríaco
Sigmund Freud (1856-1939), o pai
da psicanálise.
Um terceiro gênio, o filósofo
alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900), interlocutor de contendas estáticas e éticas com Wagner, também surge no palco.
Eis o primado das justaposições
em mais um espetáculo assinado
pelo encenador Gerald Thomas,
49: a ópera "Tristão e Isolda", que
estréia hoje no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro.
Conhecido por cruzar as fronteiras do cinema, da ópera e das
artes plásticas com o seu teatro
(são mais de duas décadas desconstruindo linguagens), Thomas inventa um mundo cênico
para as idéias de pensadores que
cita com frequência.
É também de Wagner a primeira ópera que dirigiu, "O Navio
Fantasma", em 1987, no mesmo
Municipal do Rio. No espetáculo
"NxW", de 2000, ele deu sua visão
sobre as divergências e complementaridades entre o compositor
e Nietzsche. Havia ainda referência à música atonal/dodecafônica
do austro-húngaro Arnold
Schoenberg (1874-1951). Todos
revisitados agora.
"Eu sempre brinco com a justaposição de imagens dentro da
mentira que é o teatro, a ópera.
Mãe e filha de verdade (e, "The
Flash and Crash Days", 1992, com
Fernanda Montenegro e Fernanda Torres), Julian Beck (1915-85)
"morrendo de verdade" numa peça de mentira ("Trilogia Beckett",
1985, com o fundador do grupo
norte-americano Living Theatre),
a Gabi apresentando um programa num cenário de mentira (Marília Gabriela em "Esperando Beckett", 2000)", e por aí vai o diretor.
Em sua segunda montagem de
"Tristão e Isolda" (a primeira
aconteceu em 1996, em Weimar,
na Alemanha), Thomas transporta a ação da Idade Média para o
consultório de Freud (em Copacabana, Londres ou Viena, "você
decide", brinca a frase projetada
no início). Ali, em primeiro plano,
desdobra-se a história de Tristão e
Isolda. Impossibilitados pelo destino, eles tentam celebrar seu
amor na eternidade da morte,
prato cheio para o divã de Freud,
onde os personagens se deitam,
mas também se amam.
Atrás do filó (tela em tecido
transparente), o segundo plano,
há o espaço da pós-modernidade.
Filas de poltronas de cinema e
uma passarela íngreme abrigam o
coro de cantores e atores.
"Não dá para falar de amor, niilismo e morte por meio desses
pensadores, sem apagar o mundo
de hoje, fútil e cansado. Adoro e
respeito alguns estilistas, verdadeiros pensadores da moda, mas
o mundo fashion está matando o
mundo passion", diz Thomas,
que já dirigiu desfiles.
Além dos modelos de trajes
sombrios, que terminam maquiados por Freud (pelo ator João
Wlamir), a ópera faz alusão ao
tráfico de drogas.
O mesmo Freud espalha pó de
cocaína pelo ar. No segundo ato
(são três), seu consultório aparece
com os móveis revirados, divã incluído, "depois que o morro ficou
sabendo da morte de Marcelinho
VP", diz a projeção.
"A droga é o elixir da morte, a
principal causa da violência no
Rio. Não dava para deixar de fazer
esse paralelo em tempos de balas
perdidas ou achadas."
O tenor John Pierce (Tristão) e a
soprano Jayne Casselman (Isolda), ambos norte-americanos radicados na Alemanha, se dizem
entusiasmados em protagonizar
movimentos obsessivos para tanta descrença.
"É provavelmente o Tristão
mais niilista que já fiz", afirma
Pierce. Mais difícil que cantar, diz
ele, é comunicar a história, sobretudo quando desafiado por uma
encenação como a de Thomas,
plena em metalinguagens.
Na sua sétima interpretação de
Isolda, Casselman afirma que o
canto de dor da personagem é,
paradoxalmente, o que mais lhe
toca. "O que primeiro me atraiu
na música é a forma como ela bate
no coração. É essa ressonância
que encontro na ópera de Wagner", diz a soprano.
Também integram o elenco a
mezzo-soprano romena Mariana
Cioromila e os cantores brasileiros Inácio de Nonno, Luiz Molz e
Anderson Marks, entre outros.
A Orquestra Sinfônica e o Coro
Municipal do Rio são regidos pelo
maestro Silvio Barbato. A Secretaria Estadual da Cultura investiu
cerca de R$ 700 mil para quatro
récitas.
TRISTÃO E ISOLDA. De: Richard Wagner. Direção e cenografia: Gerald
Thomas. Quando: estréia hoje, às 20h;
dias 19 e 22/8, às 20h; e dia 24/8, às 17h.
Onde: Teatro Municipal do Rio de Janeiro
(pça. Floriano, s/nš, tel. 0/xx/21/2262-3935). Quanto: de R$ 10 a R$ 240.
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