São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2008

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Comentário/João Gilberto

Era como se estivesse na casa dos meus pais, em Copacabana

Show remete à época em que a bossa nova surgiu, com João cantando e a turma em volta

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Valeu a pena esperar mais de uma hora e meia para ter o privilégio de ver João Gilberto no Ibirapuera, no melhor de sua forma. Ele, que é tão contido, desta vez até falou e pediu desculpas pelo atraso -além de ter dado uma força para seu amigo Henry Maksoud, dono do hotel onde ficou hospedado.
Marcado para as 21h, às 20h30 o hall do auditório já estava lotado. Virou um grande coquetel onde as pessoas se cruzavam e se falavam, só que sem bebida. Todo mundo chegou cedo porque, com João, tudo pode acontecer: até mesmo ele chegar na hora, mas é claro que isso não aconteceu. Às 21h, João estava tranqüilamente jantando no hotel, comendo um prosaico bife.
A platéia era, na sua maioria, seleta e esperou tranqüilamente pelo artista. Às 21h47, uma simpática voz anunciou que João já estava em São Paulo (oh, que bom!), e que a precisão do artista não é com horários, mas sim com o violão, no que todos concordaram.
E fazer o quê?
Quando chegou foi um alívio, pois com ele há sempre um suspense: será que vem? Mas quando começou o espetáculo, quem ouve muito o cantor notou quase imperceptíveis mudanças na modulação de certas palavras e em alguns acordes. Brincadeiras que faz quem passa a maior parte do seu tempo criando e recriando sons. E também cantou músicas novas, que não faziam parte do seu repertório.
Ele estava tão à vontade que se sentiu "no direito" de cantar duas vezes seguidas "Chove Lá Fora", só pelo prazer de cantar. Mas quando cantou "Ligia", uma coisa curiosa aconteceu. Ele não pronunciou o nome Ligia nem uma só vez.
Alguns estranharam a letra cantada por João, mas é que a música tem duas versões: a que foi cantada, escrita por Tom, e uma segunda, mais popularizada, reescrita por Tom com a ajuda de Chico. Mas como nem todos conhecem a história, alguns não entenderam a razão de uma letra diferente. Mas o público se extasiou, e João não economizou; cantou que se acabou. Acho que estava se exibindo para a filha Luiza.

Fechei os olhos...
Num momento em que João estava cantando uma de suas músicas mais clássicas, fechei os olhos e viajei. Era como se o tempo não tivesse passado e eu estivesse na casa dos meus pais, em Copacabana, com João cantando e a turma em volta: Nara, Menescal, Ronaldo, Chico Fim de Noite, Vinicius, a maioria sentada no chão, encostada na parede, e extasiada, no mesmo silêncio de hoje, quando João pega o violão e começa a cantar.
A única diferença é que ele não usava gravata, e era bem mais novinho, mas de resto, era o mesmo, de pouco papo. O negócio dele era a música, nada mais. Fiquei emocionada, com saudades, e triste, por saber que o que dizem é verdade: que o tempo não volta. Às vezes, mas só por por alguns momentos, pára e nos deixa mais tristes depois.
Era um menino, João; éramos todos jovens e os que pertenciam ao mundo da música, o que não era meu caso, nunca poderia ter imaginado, nem nos seus sonhos mais loucos que aquelas reuniões fossem o começo de um tipo de música que começou há 50 anos e que não dá o menor sinal de que vá acabar.
Uns gênios, os garotos. E um gênio João Gilberto, responsável pela mudança que aconteceu na música brasileira e que influenciou a música do mundo todo.
Obrigada, João.


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