São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2000

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PROCESSO
Decisão é passível de recurso
Juiz absolve Zé Celso e atores em 1ª instância

DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz José Maurício Garcia Filho, da 3ª Vara Criminal de Araraquara (282 km a noroeste de São Paulo), absolveu, em primeira instância, o diretor José Celso Martinez Corrêa e seis atores da Cia. Oficina Uzyna Uzona no processo em que são acusados de "vilipendiar atos e objetos de culto religioso" na peça "Mistérios Gozozos", encenada no Teatro Municipal da cidade em 1995.
Na época, o promotor Nelson Barboza Filho denunciou Zé Celso e parte do elenco com base em representação do padre Oswaldo Baldan.
Os artistas foram enquadrados no artigo 208 do Código Penal, que protege imagens e ritos religiosos.
A decisão do juiz Garcia Filho, que julgou improcedente a ação penal, é passível de recurso. Até o fechamento desta edição, a Folha não conseguiu localizar o atual promotor do caso em Araraquara, Álvaro André Cruz Júnior.
No processo 985/95, a acusação argumenta que, na apresentação do espetáculo "Mistérios Gozozos", em 18 de junho de 95, "a cerimônia da consagração eucarística, ato máximo do culto católico e de outras religiões cristãs, foi encenada de modo completamente deturpado, sendo focalizada de maneira aviltante, debochada e chocante, contendo várias cenas libidinosas".
Na montagem, baseada em poemas de Oswald de Andrade, sobre o mangue e o Cristo Redentor, a cena mais polêmica é aquela na qual o ator Marcelo Drummond, no papel de Jesus das Comidas, de acordo com a acusação, "descascou uma banana e, depois de colocá-la na posição de um pênis ereto, disse: "Tomai e comei, este é o meu corpo". Ato continuo, outro ator, o denunciado Pascoal, mordeu a banana".
Além de Pascoal da Conceição, a atriz Leona Cavalli foi citada por "simular masturbação com uma imagem de santo".
O símbolo do Cristo Redentor, sugerido por uma peça de plástico que passa o tempo todo descoberta e, ao final do espetáculo, se revela um falo, também integra a denúncia.
Em sua decisão, publicada no dia 28 de agosto passado, o juiz Garcia Filho declarou que o inquérito policial (Zé Celso, sua trupe e testemunhas foram convocados para depor) não recolheu prova material.
"Ademais, o grande órgão sexual masculino, descoberto ao final do espetáculo, não pode, obviamente, ser tido como objeto de culto religioso, na expressão da lei", afirma.
"Ora, não se pode exigir que o autor, o adaptador ou o diretor da peça teatral, ambientada em zona do bairro meretrício, imponha aos personagens conduta recatada ou palavreado sóbrio. O deboche, as expressão chulas, o sexo -não raras vezes promíscuo- são inerentes àquele ambiente e às condições das pessoas que o habitam", escreve o juiz.
"A liberdade que deve ser concedida à arte teatral permite, no meu entender, apesar do choque causado a muitas pessoas e da enorme polêmica surgida em torno do assunto, o que foi encenado no Teatro Municipal de Araraquara."
Zé Celso, 63, que há meses não recebia notícias do processo, em tramitação há cinco anos, se diz satisfeito. "Espero que a decisão do juiz sirva de exemplo contra a volta da censura, tudo em nome da liberdade artística", afirma.
Segundo o diretor do Oficina, o Ministério Público em Araraquara tentou convencê-lo de um acordo, no qual ele e os seis atores cumpririam pena por meio de trabalhos comunitários.
"Preferimos correr o risco de prisão a aceitar tal proposta", diz o diretor.
Zé Celso foi defendido pelo advogado Fernando Castelo Branco. (VALMIR SANTOS)


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