São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2000

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SHOW/CRÍTICA
Marina encena sua depressão

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chega a ser tocante o retorno oficial de Marina Lima aos palcos, após um afastamento de mais de seis anos. O show "Síssi na Sua", que a cantora e compositora carioca apresenta até o dia 1º de outubro no DirecTV Music Hall, em São Paulo, não evita abordar o assunto: ao contrário, leva a delicada razão de seu sumiço para o centro do palco.
Com uma dose de humor negro, Marina representa o processo depressivo que chegou a prejudicar sua voz: canta "Nem Luxo, Nem Lixo" (de Rita Lee e Roberto de Carvalho), dançando, enrolada numa inusitada camisa-de-força. Na platéia da noite de estréia, anteontem, poucos sorriram diante de uma imagem tão forte e reveladora.
Esse é apenas um dos vários recursos cênicos utilizados no espetáculo (mais que um show musical), bem dirigido pelo ator e encenador Enrique Diaz. A iluminação de Maneco Quinderé e o cenário de Gualter Pupo e Beli Araújo, que inclui dois telões para projeções de filmes e slides, são assumidamente teatrais.
Em outro momento, logo depois de cantar a sensível "Irremediáveis Mortais" (parceria com o violonista Giovanni Bizzotto), Marina sai de cena, enquanto a banda segue tocando. Troca de roupa e reaparece pouco depois, na janela de um pequeno cenário adjacente, como personagem de uma cena sensual e sem palavras. Mais uma vez, ela encena a depressão.
A beleza estranha dessas imagens reforça, no entanto, uma ambiguidade. O tom sombrio que marca praticamente todo o espetáculo não se afina com a excitação de Marina, em sua volta ao contato direto com o público. Uma alegria que ela expressa em vários agradecimentos e declarações de amor a São Paulo.
Para essa contradição entre o discurso feliz de Marina e o que se vê e ouve no palco também contribuem o repertório e os arranjos. Centrado nos dois últimos álbuns da cantora ("Registros à Meia-Voz" e "Pierrot do Brasil"), o roteiro reúne muitas canções tristes e doloridas, como "Pierrot", "Na Minha Mão" (parceria com Alvin L.), "Deixe Estar" e "O Solo da Paixão" (parcerias com o irmão Antonio Cícero), ou ainda a pungente versão de "Para um Amor no Recife" (de Paulinho da Viola).
E mesmo quando Marina vai buscar em seu passado canções mais ensolaradas e dançantes, como "Fullgás", "Pra Começar" (outra com Cícero) e "À Francesa" (de Cláudio Zoli, já no bis), os arranjos sombrios e excessivamente eletrônicos parecem esfriar o apelo original das músicas.
Seria muito mais fácil, certamente, voltar aos palcos com uma seleção dos maiores sucessos de seus 21 anos de carreira. Mas a corajosa Marina prefere arriscar, mostrando que não parou no tempo. Revela à platéia toda a dor do afastamento, para talvez sublimar o que passou.


Síssi na Sua     Quando: hoje, às 22h; amanhã, às 19h; qui., às 21h30; sex., às 22h. Até 1º/10 Onde: DirecTV Music Hall (av. dos Jamaris, 213, Moema, São Paulo, tel. 0/ xx/11/5643-2500) Quanto: de R$ 40 a R$ 90 (qui. e dom.); de R$ 50 a R$ 100 (sex. e sáb.)



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