São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 2005

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CRÍTICA

Cantora injeta emoção na indústria

DA SUCURSAL DO RIO

A companhando a estética de "Segundo", há uma ética -não confundir com conceito, palavra que anda banalizada. E é difícil falar algo da primeira sem ressaltar a segunda.
Antes de tudo, Maria Rita não fez concessões: gravou o que quis, como quis, com quem quis. Pode-se dizer que, dado o primeiro CD, isso já era previsível. Mas a tal da indústria cultural é exímia destruidora de boas previsibilidades em nome das outras, as pasteurizadas, as fórmulas canhestras de prorrogação do sucesso. Maria Rita está livre disso. (E, para não dizer que não se falou do assunto, também está livre das comparações com a mãe, Elis Regina, pois construiu com rapidez uma voz própria. O resto é assombração.)
A cantora reforçou uma opção do primeiro CD que pode parecer supérflua para muitos ouvintes, mas não é. Ao gravar as faixas com os músicos tocando junto no estúdio, ela subverteu a fragmentária ordem estabelecida -em que cada um opera o seu instrumento e, depois, as máquinas fazem dos pedaços um produto- e injetou emoção e verdade na asséptica vida digital.
Ao consumidor, deve-se dizer que o DVD que acompanha o CD na versão mais cara de "Segundo" não é fundamental para se apreciar as músicas. Mas ajuda bastante a entender a emoção e a verdade que perpassam as faixas.
O disco ganha muito com o fato de Maria Rita estar sempre acompanhada dos mesmos músicos: Tiago Costa (piano), Sylvinho Mazzucca (baixo acústico) e Cuca Teixeira (bateria). A sonoridade é coesa e limpa de efeitos eletrônicos. A grandeza ética está no repertório ainda menos previsível do que o do primeiro CD, quando grifes como Milton Nascimento e Rita Lee funcionavam como um aval para a estreante.
A maior grife, Edu Lobo/ Chico Buarque, aparece em "Sobre Todas as Coisas", em uma gravação que não tem como superar as de Gilberto Gil e Maria Bethânia, por exemplo, mas que faz um interessante par com "Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)", de O Rappa/ Marcelo Yuka.
Se Edu e Chico cantam a nossa pequenez diante de um Deus que nos ignora, Rappa/Yuka mostram a ignorância que cantamos ao imaginarmos uma paz divina em fortalezas de grades e vídeos, protegidos de outros homens. Não parece por acaso que as duas músicas estejam juntas no CD.
A agora grife Marcelo Camelo volta na regravada "Casa Pré-Fabricada" e na inédita "A Despedida", a primeira mais bonita do que a segunda. E Jorge Drexler entra com a correta balada "Mal Intento". Moska, que ainda não é grife, brilha em "Muito Pouco", música em que Maria Rita modula a voz sem cair em caricaturas, e tenta fazer ato de fé: "Muito pra mim é tão pouco/ E pouco é um pouco demais."
O resto são boas apostas, nas quais se destacam "Recado", samba de Rodrigo Maranhão na linhagem temática de "Filosofia" (Noel Rosa), "A Banca do Distinto" (Billy Blanco) e outras, e "Sem Aviso" (Francisco Bosco/ Fred Martins), bolero estranho em que o pouco se prova muito.
(LUIZ FERNANDO VIANNA)
Segundo
   
Artista: Maria Rita
Gravadora: Warner
Quanto: R$ 30 (CD) e R$ 50 (CD e DVD)


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