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GASTRONOMIA
História no galinheiro
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Na última crônica falamos de
galinha morta. Vamos a ela,
viva. Tudo o que escrever será por
ouvir dizer ou ler, a história da galinha é meio atropelada. Parece
que galinha nem fóssil tem, vítima
de trituradores glutões de seus ossinhos saborosos.
Foi contemplada por Aristóteles, Plínio, Aldrovandi. É meio arroz de festa, está em todos os
quintais e terreiros há milênios,
pintada, filmada, estudada. A galinha está em todas, mas na dela.
Pensei também que as galinhas,
tinham nascido e morrido de
avental, que nunca haviam sido
deusas nem inspirado aos humanos pensamentos para o alto, na
sua corruptibilidade miúda. Errei.
Já frequentaram os templos e altares, cerimônias religiosas, elas e
seus ovos e vísceras. Não vou entrar em grandes detalhes porque
essas histórias se esquecem com a
mesma facilidade com que são lidas, entram por um ouvido e
saem pelo outro.
Bem, quem foi que começou a
comer a galinha? Foi o povo de
Delfos, aqueles adivinhões. Não
se contentaram com os ovos e
passaram a comê-la assada no seu
próprio molho gordo.
Muitos se indignaram, pois tanto o galo como a galinha são símbolos ideais. Ela, com seus ovos de
perfeito design, e ele, com seu
apetite sexual insaciável. A galinha foi vivendo, mágica ou bruxa,
ou só útil, poedeira, prática, a função dela era ser coberta pelo galo e
produzir seus ovos, o que já acho
tarefa de bom tamanho.
Enquanto a galinha ia andando
sem se preocupar muito com a
história, o galo foi comparado a
reis em seus tronos, símbolo de
beleza, majestade, potência, sexualidade. Ave diligente, libidinoso, beligerante, impudente, fanfarrão, vaidoso, desenfreado.
Anuncia o dia, a ressurreição, é o
próprio Cristo, bom provedor.
Guardião, amigo de Eros e de
Hermes, jogador, rei das arenas.
Nunca servo nem servil.
Em muitas línguas, a palavra galo, como no inglês "cock", é sinônimo de pênis. Intriga-me um
pouco os homens brasileiros terem substituído galo por pinto,
mas é lá com eles.
Gosto de saber das galinhas modernas, atuais, e os amigos me
mandam as novidades. Há um
concurso de Miss Galinha numa
cidadezinha perdida, onde as bichinhas são maquiadas, enfeitadas com brincos e turbantes, pulseira dourada na canela, tutu de
filó, óculos de gatinho. Nem dá
para acreditar, qual outro bicho
aguentaria a infâmia sem piar?
Um cientista japonês, ou um japonês metido a cientista, descobriu que as nervosas meninas desorientadas e com tendência à depressão, à roxa depressão, se acalmavam com lentes de óculos roxas. Levou a cabo a experiência.
Do alto de seus poleiros passaram
a enxergar em plangente roxo.
Tudo. O galo, o milho, o riacho. A
vida, enfim. É cada uma!
As coisas, porém, podem mudar um dia. O filósofo romano Julius Alexandrinus diz, confirmando Aristóteles: "Eu tenho visto galinhas aqui e ali que se apoderaram do espírito dos machos depois de alguma vitória sobre eles,
cobrem o galo como no coito, em
tentativas infrutíferas, é claro,
mas às quais se acostumaram".
Cortázar também nos faz vislumbrar outros tempos com a
mensagem que recebeu de uma
galinha em mutação.
"Por galinha uma escrito.
Com o acontecido estamos conosco entusiasmadas. Rapidamente do apoderar mundo iremos nos, oba. Era um inofensivo
aparentemente foguete lançado
Canaveral. Americanos Cabo do
pelos. Razões desconhecidas por
órbita da desviou se e provavelmente algo ao atritar se com invisível e Terra retornou à. Crista
caiu nos na ploft, mutação instantânea entramos em. Rapidamente
a multiplicar aprendendo de taboada estamos, prendadas muito
literatura para a somos da história, química um menos pouco,
desajeitadas agora até esportes
para, importância tem, não: das
será galinhas estratosfera, da frente sai, carajo que."
Aos leitores que se interessarem, mando algumas receitas de
testículos de galo e uma de coq au
vin. O galo em sua essência, papado com acompanhamento. É só
pedir por e-mail.
ninahort@uol.com.br
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