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FERREIRA GULLAR
De arma na mãoO principal argumento
dos que se opõem à proibição da venda de armas de fogo é
que, se o bandido está armado, o
cidadão comum tem o direito de
também se armar. O que é um argumento legítimo em filmes do
faroeste, onde impera a lei da bala.
Sim, porque, na vida real, a coisa se passa de maneira muito diferente: termos uma arma na cintura ou na gaveta da cômoda não
quer dizer que estamos protegidos
do assaltante armado; na maioria das vezes, é o contrário, pois o
fato de estarmos armados pode
nos levar a atitudes desastradas e
desastrosas.
E sabem por quê? Porque não
basta possuir uma arma para ser
capaz de fazer uso dela. Além disso, nem todo mundo tem sangue-frio (ou coisa pior) para ser capaz
de matar uma pessoa, ainda que
seja um bandido. Eu, pessoalmente, não tenho.
Imaginemos a cena. Façamos
de conta que tenho uma arma em
casa, guardada em alguma gaveta. Acordo ao ouvir um ruído estranho na sala. Será que o gato
decidiu bagunçar meu coreto a
essa hora da madrugada? Mas
vejo que não: ele ressona enrodilhado e tranqüilo ao pé da cama.
Corre-me um arrepio de medo pelo corpo: pode ser um fantasma?!
Não, não pode ser, porque não
acredito em fantasmas! Isto é,
acho que não acredito...
A essa altura, penso ouvir passos no corredor, ou melhor, algo
parece se mover ali... Seria meu
neto Mateus? Não pode ser, porque ele não tem a chave do apartamento e, mesmo que tivesse,
não entraria em minha casa a essa hora e desse modo. Mais assustado ainda, sinto que aquela presença estranha se aproxima de
meu quarto.
- E se for um ladrão?!
A hipótese de que poderia ser
um ladrão me deixa ainda mais
assustado do que se fosse um fantasma.
- Se é um assaltante, deve estar armado! -digo a mim mesmo e acrescento: por sorte, ainda
não tinha sido aprovada a proibição da venda de armas; pude
comprar a minha.
E, ao pensar isso, me ocorre que
não me lembro de onde a guardei,
o que me causa enorme desagrado, mas não surpresa, já que quase todas as coisas que guardo somem, nunca consigo saber onde
as guardei. E isso se tratando de
coisas que estou sempre usando;
imagine agora um revólver, que
está guardado desde o dia em que
o comprei.
- Não vou encontrá-lo! -digo
para mim mesmo em pânico. E o
ladrão, armado, está a poucos
passos de mim, no corredor!
As possibilidades são várias.
Lembro-me de ter decidido que o
melhor lugar para guardar o revólver era a gaveta da mesa de cabeceira, aqui ao lado da cama,
pois estaria a meu alcance no caso de um assalto como esse que
ocorre agora. Sim, foi aqui que o
guardei! E me volto, abro a gaveta, tateio com uma das mãos. Nada de revólver!
- Mas tem que estar aqui!
Penso em acender a luz do
quarto, mas logo desisto: o assaltante ficaria sabendo que estou
acordado. Insisto em buscar o revólver na gaveta, levanto-me cuidadosamente para melhor procurá-lo, quando me vem à lembrança que o tirara dali. Sim, quando
Paloma esteve aqui com Francisquinho, achei melhor pôr o revólver noutro lugar, fora do alcance
do menino... O problema é: onde?
Era urgente lembrar onde pusera a arma, porque o ladrão não
iria ficar esperando no corredor
até que a localizasse.
Admitindo-se que ele preferiu se
dirigir ao escritório, que está sempre de porta aberta e, àquela hora, vazio, dediquei-me a tentar
descobrir onde, pela lógica, teria
escondido o maldito revólver.
- Terá sido no guarda-roupas?
Mas, se foi ali, em qual das gavetas? Tem quatro gavetas externas
e várias menores internas, onde
guardo camisas, cuecas, meias...
Na gaveta das cuecas não foi, porque essa eu abro todos os dias... E
me vem então um pensamento
aterrador: vai ver pus na estante
menor do escritório. Se foi, estou
perdido; o assaltante vai ter dois
revólveres e eu, nenhum! É azar
demais! Começo a me arrepender
de ter comprado a arma.
Mas aí uma luz acende no meu
cérebro e me faz lembrar do lugar
exato onde guardara a arma:
sim, na única gaveta da cômoda
que tem fechadura! Foi lá, tenho
certeza. Mas e a chave da gaveta?
Onde será que pus a chave da gaveta da cômoda?!
Vamos admitir, por mais implausível que seja, que me lembrei
de onde pusera a chave. Vou lá,
pego-a, abro a gaveta e o revólver
está efetivamente lá. Seguro-o,
nervoso, saio andando na direção
do bandido, que, supõe-se, está no
escritório buscando o que roubar.
Da porta, vejo-o agachado, mexendo na gaveta da escrivaninha.
Ao clarão da luz da rua que entra
pela janela, percebo que se trata
de um garoto de uns 16 anos e que
está armado. Aponto o revólver,
mas não consigo atirar: é um menino. Fico com a arma apontada
e grito-lhe:
- Largue a arma. Está preso!
Ele se rola no chão e, deitado,
dispara um tiro certeiro em meu
peito e me mata!
Antes de soltar o último suspiro,
ainda penso:
- A polícia é que deve cuidar
da segurança dos cidadãos. Afinal de contas, para que se paga
imposto?
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