São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2006

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GUILHERME WISNIK

Cultura popular industrial


Densa e econômica, mostra no MAM dá a dimensão do salto vanguardista anunciado nos anos 50

ESTÁ EM exibição no MAM a mostra "Concreta 56 - A Raiz da Forma", que reconstitui a famosa exposição de 50 anos atrás, marco do apogeu do movimento concreto no Brasil. Por situar-se às vésperas da ruptura neoconcreta, conta com um conjunto expressivo e heterogêneo de artistas, como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Amílcar de Castro e Franz Weissmann, entre outros, além do grupo paulista.
Outra característica é a presença da poesia concreta em meio às telas e esculturas, o que facilita a percepção de contaminações recíprocas entre as áreas. Vale dizer: a ênfase comum na serialização geométrica, no ritmo visual e na autonomia dos elementos sintáticos, por oposição a qualquer noção de representação ou conteúdo narrativo linear. Densa e econômica como a própria arte, a mostra dá a dimensão do salto vanguardista anunciado naquele momento, que abraçava a ortodoxia universalizante como arma de combate aos romantismos regionalistas.
Remontada com alguns acréscimos que comentam desdobramentos subseqüentes, a exposição coroa uma série de mostras sobre o tema organizadas por Lorenzo Mammì e João Bandeira no Centro Maria Antonia. Contudo, acrescenta um importante segmento dedicado ao design, com curadoria de André Stolarski. Se na arquitetura brasileira a ponte com o concretismo resulta quase sempre indireta e algo forçada, no design ela é fundante. Nesse sentido, não é coincidência o trânsito intenso, nesse período, entre as artes plásticas, as artes gráficas, o desenho de marcas e produtos e os projetos de mobiliários e intervenções em suportes arquitetônicos.
Influenciada pelo racionalismo suíço da Escola de Ulm, a vanguarda construtiva brasileira buscava a integração das artes através do binômio "estética" e "indústria", fazendo coincidir a atualização cultural com o desenvolvimento econômico do país sob uma orientação pragmática e pretensamente desideologizada.
Não espanta, nesse sentido, a sua compulsão em criar sistemas visuais auto-suficientes e infalíveis, em tudo impermeáveis à entropia tropical brasileira.
Parte expressiva do acervo exposto neste segmento refere-se à produção do "forminform", escritório fundado por Alexandre Wollner, Geraldo de Barros e Walter Macedo em 1958, e que contou com a colaboração de figuras como Ruben Martins, Karl Heinz Bergmiller, Maurício Nogueira Lima, Ludovico Martino, Emilie Chamie, João Carlos Cauduro e Décio Pignatari. Destaca-se, também, a sólida produção de Aloísio Magalhães e Goebel Weyne.
Contudo, em que pese a evidente "vontade de ordem" inculcada no desenho rigoroso dessas marcas e embalagens, quando olhamos hoje para as latas de sardinha Coqueiro, os biscoitos Piraquê, ou o ladrilho hidráulico do calçamento de São Paulo, topamos com a dimensão afetiva daquele esforço civilizatório, hoje residual. É que ao vê-los no museu, percebemos nesses ícones de época um sabor popular insuspeitado, a indicar que formamos sim a base de uma cultura industrial pop e rente à experiência cotidiana.

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