São Paulo, terça-feira, 16 de outubro de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Orgulho todo dia


A parada gay de Berlim é um estado permanente: entrar num bar de mãos dadas e beijar em público sem medo

PELO movimento no metrô, por volta de duas da tarde, já dava para saber: ia lotar. Os carros já chegavam à metade do caminho apinhados, trazendo dos subúrbios seu quinhão de meninas, meninos e menines (algo entre um e outro, que não carece definir) com acessórios estampando arco-íris. Um sujeito de cara fechada, antes de saltar em Botafogo, entrega a um rapaz de cabelos longos um exemplar do jornal religioso "Folha Universal": "Vai lhe fazer bem". O rapaz agradece sem jeito. O homem salta do metrô orgulhoso de seu preconceito.
A 12ª edição da Parada do Orgulho GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) no Rio levou mais de 1 milhão de pessoas a Copacabana no último domingo, numa festa que começou oficialmente às 17h com pronunciamento de Sérgio Cabral, primeiro governador a abrir a festa. Há três meses, Cabral sancionou lei que garante a parceiros de servidores homossexuais o direito à pensão, projeto que propusera em 2002, em parceria com Carlos Minc. Com a lei, ganhou beijo do estilista Carlos Tufvesson; na Parada, recebeu o Prêmio Arco-Íris de Direitos Humanos (categoria Políticas Públicas) e, do alto de um carro elétrico, apoiou a reivindicação dos organizadores da manifestação pela criminalização da homofobia através da aprovação do projeto de lei 122/2006.
Classificar a discriminação sexual como crime certamente ajudaria a cortar as asinhas do "Farmeganistão", grupo homofóbico batizado em referência à rua Farme de Amoedo, e que age nas redondezas. Os auto-intitulados talebans da Farme costumam passar pela rua gritando ofensas aos casais que antes se sentiam à vontade no clássico endereço gay de Ipanema. A lei talvez nunca impeça, no entanto, que um homem entregue um jornal religioso -na manchete de capa, a história de um "ex-gay" convertido- a um desconhecido que vê na rua e considera afeminado.
Em 2006, assisti à parada gay de Nova York. Ao longo das calçadas, cavaletes impediam manifestantes não-vinculados aos grupos que desfilavam de simplesmente ir dançando atrás dos carros, como se faz aqui no Brasil. Carnaval contido, coisa de americano. Junta menos gente e lembra mais uma passeata, com alas não só de manifestantes à paisana (plumas e paetês) mas também de oficiais homossexuais fardados da polícia, bombeiros, marinha, exército e aeronáutica.
A parada gay de Berlim, pelo que vi quando morei na cidade entre maio e junho deste ano, é um estado permanente. Coisa que se faz todos os dias: entrar num bar de mãos dadas sem medo, beijar em público sem medo, vestir o que quiser e ser o que achar melhor sem medo. Teoricamente é o que pediam os que compareceram ao evento em Copacabana no último domingo, GLBT e héteros. Não é o que fazem num dia comum a maioria dos que cabem na sigla. Boa parte dos héteros, para quem a Parada é uma micareta, não aceita que o façam.


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