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Mostra abre com filme sobre conflito
"Terra Vermelha", que inaugura hoje o evento, aborda enfrentamento pela posse da terra entre índios e fazendeiros no MS
Diretor ítalo-chileno Marco Bechis afirma que seu longa é "reflexão sobre sobreviventes ao genocídio que foi a conquista da América Latina"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo inaugura
hoje, para convidados, sua 32ª
edição com um filme originado
de "uma reflexão sobre quem
são os sobreviventes do genocídio que foi a conquista da América Latina [pelo homem branco]", nas palavras de seu diretor, o chileno de origem italiana
Marco Bechis.
"Terra Vermelha", co-produzido por Brasil e Itália, foi filmado no Mato Grosso do Sul,
com índios guarani-kaiowá desempenhando os papéis principais e falando em sua língua.
"Quis dar uma volta à história, tendo os indígenas como
protagonistas e os outros, a serviço deles. Não foi fácil convencer os produtores europeus de
que isso poderia funcionar
num filme", afirma o diretor.
O interesse de Bechis pela
identidade indígena está relacionado com o fato de ele ter vivido sua adolescência entre o
Chile, o Brasil e a Argentina,
onde "o "outro" é o índio", diz.
Bechis é filho de um engenheiro italiano que emigrou
para a América do Sul no pós-guerra. Quando se instalou a última ditadura militar na Argentina (1976-1983), Bechis voltou
a viver na Europa, "que está se
tornando um continente cada
vez mais xenófobo, onde o "outro" são os habitantes dos países
vizinhos, sobretudo os do leste,
que migram internamente".
Antropologia clássica
Em "Terra Vermelha", a convivência conflituosa entre
brancos e índios se dá numa fazenda na região de Dourados
(MS) em que o proprietário
(Leonardo Medeiros) cria gado
e sua mulher (Chiara Caselli)
agencia grupos de turistas interessados na fauna e flora da região -e em ver índios nativos.
O título do filme para o mercado internacional é "Birdwatchers" (observadores de pássaros). Bechis acha que ele traduz
a visão antropológica clássica e
também o senso comum sobre
as populações indígenas, que
busca "espiá-las, mais do que
entrar em relação com elas".
"A idéia dos índios no mundo
é aquela [dos turistas no filme]
-de que os índios que perderam seus costumes não são
mais índios. É um erro de leitura", afirma. Na opinião do cineasta, "temos todos uma vontade de que o índio incontaminado exista, porque essa é uma
idéia que fascina e tranqüiliza".
Bechis diz que os índios de
seu filme "não têm mais floresta, mas ainda são índios", o que
está patente em sua relação
com a terra, por exemplo. "Eles
não são como os sem-terra, que
querem um pequeno pedaço de
terra, mas dentro da mesma lógica do fazendeiro", aponta.
O roteiro de "Terra Vermelha", assinado por Bechis, pelo
brasileiro Luiz Bolognesi ("Bicho de 7 Cabeças") e pela italiana Lara Fremder, teve como
ponto de partida viagens que o
diretor fez pela região. "Eu conhecia os índios, eu não conhecia os fazendeiros", afirma.
Para "tornar crível" a participação dos fazendeiros no filme,
o diretor diz que recorreu sobretudo à colaboração de Bolognesi, que o presenteou com
uma cópia de "Iracema - Uma
Transa Amazônica" (1976), de
Orlando Senna e Jorge Bodanzky, de quem Bolognesi é
genro. Bechis diz que ficou
"maravilhado" com o filme.
Influência da novela
A parte "mais interessante"
da preparação de "Terra Vermelha", segundo o diretor, "foi
ensinar aos índios o que é o cinema". Bechis diz que os índios
escalados como atores do filme
tinham, de início, a tendência
de "ocupar o espaço com palavras, talvez influenciados pela
[linguagem da] telenovela, que
alguns deles vêem".
O cineasta exibiu ao elenco
indígena trechos sem diálogos
dos filmes "Era uma Vez no
Oeste", de Sergio Leone, e "Pássaros", de Alfred Hitchcock.
"Foi impressionante ver como
eles entenderam a força de um
primeiro plano sem falas", diz.
A preparação do elenco indígena durou quatro meses e foi
feita "de um modo muito distinto desse hoje polêmico método no Brasil [de preparação
de atores]", diz Bechis. "Eu preparei o terreno e eles andaram.
Eu não os puxei", afirma.
A partir de amanhã, quando a
Mostra começa a ter sua programação aberta para o público, "Terra Vermelha" terá três
projeções.
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