São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2008

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Mostra abre com filme sobre conflito

"Terra Vermelha", que inaugura hoje o evento, aborda enfrentamento pela posse da terra entre índios e fazendeiros no MS

Diretor ítalo-chileno Marco Bechis afirma que seu longa é "reflexão sobre sobreviventes ao genocídio que foi a conquista da América Latina"


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo inaugura hoje, para convidados, sua 32ª edição com um filme originado de "uma reflexão sobre quem são os sobreviventes do genocídio que foi a conquista da América Latina [pelo homem branco]", nas palavras de seu diretor, o chileno de origem italiana Marco Bechis.
"Terra Vermelha", co-produzido por Brasil e Itália, foi filmado no Mato Grosso do Sul, com índios guarani-kaiowá desempenhando os papéis principais e falando em sua língua.
"Quis dar uma volta à história, tendo os indígenas como protagonistas e os outros, a serviço deles. Não foi fácil convencer os produtores europeus de que isso poderia funcionar num filme", afirma o diretor.
O interesse de Bechis pela identidade indígena está relacionado com o fato de ele ter vivido sua adolescência entre o Chile, o Brasil e a Argentina, onde "o "outro" é o índio", diz.
Bechis é filho de um engenheiro italiano que emigrou para a América do Sul no pós-guerra. Quando se instalou a última ditadura militar na Argentina (1976-1983), Bechis voltou a viver na Europa, "que está se tornando um continente cada vez mais xenófobo, onde o "outro" são os habitantes dos países vizinhos, sobretudo os do leste, que migram internamente".

Antropologia clássica
Em "Terra Vermelha", a convivência conflituosa entre brancos e índios se dá numa fazenda na região de Dourados (MS) em que o proprietário (Leonardo Medeiros) cria gado e sua mulher (Chiara Caselli) agencia grupos de turistas interessados na fauna e flora da região -e em ver índios nativos.
O título do filme para o mercado internacional é "Birdwatchers" (observadores de pássaros). Bechis acha que ele traduz a visão antropológica clássica e também o senso comum sobre as populações indígenas, que busca "espiá-las, mais do que entrar em relação com elas".
"A idéia dos índios no mundo é aquela [dos turistas no filme] -de que os índios que perderam seus costumes não são mais índios. É um erro de leitura", afirma. Na opinião do cineasta, "temos todos uma vontade de que o índio incontaminado exista, porque essa é uma idéia que fascina e tranqüiliza".
Bechis diz que os índios de seu filme "não têm mais floresta, mas ainda são índios", o que está patente em sua relação com a terra, por exemplo. "Eles não são como os sem-terra, que querem um pequeno pedaço de terra, mas dentro da mesma lógica do fazendeiro", aponta.
O roteiro de "Terra Vermelha", assinado por Bechis, pelo brasileiro Luiz Bolognesi ("Bicho de 7 Cabeças") e pela italiana Lara Fremder, teve como ponto de partida viagens que o diretor fez pela região. "Eu conhecia os índios, eu não conhecia os fazendeiros", afirma.
Para "tornar crível" a participação dos fazendeiros no filme, o diretor diz que recorreu sobretudo à colaboração de Bolognesi, que o presenteou com uma cópia de "Iracema - Uma Transa Amazônica" (1976), de Orlando Senna e Jorge Bodanzky, de quem Bolognesi é genro. Bechis diz que ficou "maravilhado" com o filme.

Influência da novela
A parte "mais interessante" da preparação de "Terra Vermelha", segundo o diretor, "foi ensinar aos índios o que é o cinema". Bechis diz que os índios escalados como atores do filme tinham, de início, a tendência de "ocupar o espaço com palavras, talvez influenciados pela [linguagem da] telenovela, que alguns deles vêem".
O cineasta exibiu ao elenco indígena trechos sem diálogos dos filmes "Era uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, e "Pássaros", de Alfred Hitchcock. "Foi impressionante ver como eles entenderam a força de um primeiro plano sem falas", diz.
A preparação do elenco indígena durou quatro meses e foi feita "de um modo muito distinto desse hoje polêmico método no Brasil [de preparação de atores]", diz Bechis. "Eu preparei o terreno e eles andaram. Eu não os puxei", afirma.
A partir de amanhã, quando a Mostra começa a ter sua programação aberta para o público, "Terra Vermelha" terá três projeções.


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